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O prefeito que a cidade esqueceu

PRAÇA FRANCISCO SCHMIDT na década de 1910: ao fundo, á esquerda, a Catedral Metropolitana de São Sebastião sem a cúpula e, à direita, o Mercadão Municipal antes do incêndio

Nicola Tornatore

Ele foi uma das mais im­portantes personalidades dos primórdios de Ribeirão Preto. Vereador, vice-presidente da Câmara, prefeito, deputado es­tadual, senador estadual, pro­fessor da Faculdade de Direito de São Paulo, jurista frequen­temente citado em processos até os dias de hoje… Apesar do alentado currículo, Manuel Au­reliano de Gusmão (1857-1922) praticamente desapareceu da memória de Ribeirão Preto.

Sua importância, nas duas primeiras décadas do século pas­sado, foi tal que mereceu uma homenagem que se pretendia eterna – uma das principais pra­ças da região central da cidade recebeu seu nome. Mas, 50 anos depois, o Legislativo aprovou lei mudando o nome do local para Sete de Setembro, em homena­gem à Independência do Brasil.

Manuel Aureliano de Gus­mão nasceu em Alagoas e mi­grou para São Paulo, onde se formou na Faculdade de Direi­to. Em 1875 casou-se com Olí­via Castelo Branco. Ingressou na magistratura e foi nomeado o primeiro titular da comarca de Ribeirão Preto, instalada em 10 de outubro de 1892 com abrangência regional –Cravi­nhos, Serrana, Sertãozinho, Pontal e Dumont.

Aureliano de Gusmão foi o primeiro juiz de Direito da histó­ria de Ribeirão Preto. Permane­ceu no cargo até 1897, quando foi sucedido por Eliseu Guilherme. Chegou a assumir o posto em Descalvado, no mesmo ano de 1897, mas decidiu deixar a ma­gistratura e retornou a Ribeirão Preto, onde atuou como advoga­do e ingressou na política.

Em 1899 foi eleito vereador na 9ª Legislatura da Câmara Mu­nicipal de Ribeirão Preto (1899- 1902), pelo Partido Republicano Paulista (PRP). No dia 26 de ju­lho daquele ano foi uma das au­toridades presentes na cerimônia de inauguração da iluminação pública elétrica. “A solenidade foi encerrada pelo doutor Gusmão, que deu um viva ao povo de Ri­beirão Preto”.

Em 1901 foi reeleito vereador, sendo o segundo mais votado (737 votos). Já como vice-pre­sidente da Câmara, no dia 5 de julho de 1902 foi eleito por seus pares “intendente”, denominação da época para o responsável pela chefia do Executivo. Em 22 de novembro do mesmo ano, por indicação do próprio Aureliano de Gusmão, a Câmara substituiu a denominação intendente por prefeito – ele foi, assim, o primei­ro de Ribeirão Preto, segundo a nova nomenclatura, e o 20° cida­dão a exercer o cargo.

Santos Dumont – Na sessão de 31 de outubro de 1903, Au­reliano de Gusmão apresentou uma proposta de doação de um conto de réis para o aeronauta Alberto Santos Dumont. O di­nheiro serviria “para auxiliar a continuação de suas experiên­cias sobre o aproveitamento da dirigibilidade dos balões como meio de transporte”. A Câmara aprovou a indicação por unani­midade (lei n° 100). Em 1904, indicado pelo coronel Joaquim da Cunha Diniz Junqueira, saiu candidato a deputado estadual pelo PRP e foi eleito.

Na Assembléia Legislativa, trabalhou pela aprovação de um Ginásio do Estado para Ribeirão Preto (só havia o Grupo Escolar, atual Guimarães Junior, inaugu­rado em 1895) e dois anos depois, em 1907, integrou a comitiva do presidente do Estado (governa­dor) Jorge Tibiriçá, que em 1° de abril acompanhou a inauguração do sonhado “Gymnasio” (atual Escola Estadual “Otoniel Mota”).

Foi reeleito deputado estadu­al até 1914, quando prestou con­curso para professor (lente) na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (hoje, USP), onde havia se formado. Foi aprovado, assumiu o posto e em pouco tempo já era professor catedráti­co. Autor de inúmeros trabalhos sobre Direito, ainda hoje é citado em processos.

Faleceu em 1922, quando exercia o mandato de senador es­tadual. Antes de morrer, em São Paulo, transladou para a capital paulista os restos mortais de sua filha Laura, falecida aos 18 anos, em 9 de setembro de 1893, e se­pultada no Cemitério da Sauda­de, em Ribeirão Preto.

Sem nome – Apesar da profí­cua carreira como político e juris­ta e dos melhoramentos obtidos para Ribeirão Preto, de Manuel Aureliano de Gusmão não res­tam lembranças. Após sua morte, em agradecimento pelos relevan­tes serviços prestados à cidade, a praça delimitada pelas ruas Sete de Setembro, Lafaiete, Floriano Peixoto e Florêncio de Abreu foi batizada com seu nome.

Mas, em 4 de janeiro de 1972, a mesma Câmara Municipal onde ele despontou para a polí­tica aprovou uma lei alterando o nome da praça Manuel Aurelia­no de Gusmão para praça Sete de Setembro – o costume da popu­lação, de chamá-la de Praça Sete, foi mais forte que o passado.

Nosso último intendente, nosso primeiro juiz de Direito e primeiro prefeito (com essa no­menclatura), o cidadão que con­venceu seus pares a doar recursos para o pai da aviação Santos Du­mont, desapareceu da memória de Ribeirão Preto.

FOI POR INICIATIVA de Aureliano de Gusmão que a Câmara de Ribeirão Preto doou um conto de réis para o criador do 14-Bis e pai da aviação, Santos Dumont (detalhe)

Em janeiro de 2007, o pre­feito Welson Gasparini (PSDB) sancionou uma lei de autoria do então vereador Wandeir Sil­va (PMDB) – aprovada em de­zembro de 2006 – que autoriza o chefe do Executivo a deno­minar de Manuel Aureliano de Gusmão “logradouro público ou próprio municipal”. Só fal­ta alguém tomar a iniciativa e devolver à cidade um pouco da história do “pioneiro”.

Gusmão veio do Nordeste

Uma possível explicação para o fato de não ter havido reação à decisão da Câmara de alterar o nome da praça, de Aureliano de Gusmão para Sete de Setembro, está na ausência de descentes do homenageado, residentes em Ribeirão Preto ou região. O sobrenome Gusmão não é incomum, mas o ramo mais conhecido na região – os Gusmão de Cravinhos, no qual desponta o ex-ministro Roberto Gusmão – não tem parentesco direto com o pri­meiro prefeito de Ribeirão Preto.

Manuel Aureliano de Gusmão nasceu em 19 de outubro de 1857, em São Luiz de Quitundo, Alagoas. Antes de chegar em Ribeirão Preto, foi promotor de São João da Barra, no Rio de Janeiro. Ocupou esse cargo em 1881 e 1882, quando foi nomeado juiz de Pindamo­nhangaba (SP), onde permaneceu até o fim de 1888. Foi para o Recife (PE), onde se casou. Em março de 1889, veio para São Simão, no auge da produção de café.

Foi lá que se entregou ás lutas políticas ao lado do chefe republicano Manuel Dias do Prado. Em setembro de 1892, foi nomeado juiz em Ri­beirão Preto. Em 1897, deixou o cargo, passando a exercer a advocacia. Eleito vereador, chegou a presidente da Câmara e prefeito. Em dezembro de 1903, foi eleito deputado estadual, sendo sempre reeleito até 1916, quando foi para o Senado.

Criador da praça Francisco Schmidt

Entre os anos de 1884 e 1900, o local hoje ocupado pela praça Francisco Schmidt, ao lado da avenida Jerônimo Gonçalves, no início da Vila Tibé­rio, era conhecido como Largo da Estação ou Praça da Estação, por causa da “gare” (plataforma) da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro.

Em 3 de novembro de 1900, o vereador Ma­nuel Aureliano de Gusmão propôs a compra do terreno da praça da Estação, pertencente à Com­panhia Mogiana, e dos terrenos entre a praça e a avenida Jerônimo Gonçalves e as ruas São Sebas­tião, General Osório e Duque de Caxias. Segundo Gusmão, a área da Mogiana e os demais terrenos, pertencentes a Manoel Francisco de Carvalho e Dona Verediana Prado e Filhos, deveriam ser ad­quiridos para construção de uma praça em home­nagem ao coronel Francisco Schmidt, que na época desfrutava do título de “Rei do Café”. A indicação foi aprovada pela Câmara de Vereadores.

A praça acabou ficando ainda maior do que o pre­visto no projeto inicial – os vereadores optaram pelo alargamento da praça por meio da aquisição dos ter­renos entre as ruas Duque de Caxias e São Sebastião. O aterro da praça e construção dos parapeitos ao lado do ribeirão Preto foram realizados pela Cia. Mogiana, através de um convênio com a Câmara.

Lei previa nova praça ‘Aureliano de Gusmão’

A lei nº 2.590, que alterou o nome da praça Aureliano de Gusmão para Sete de Setembro, foi apresentada em 4 de janeiro de1972, na primei­ra administração Antonio Duarte Nogueira, pai do atual chefe do Executivo, Duarte Nogueira Júnior (PSDB), mas só foi sancionada, pelo próprio No­gueira pai, em 19 de janeiro de 1979, já em sua segunda administração.

O parágrafo único do artigo 1 diz o seguinte: “O topônimo Aureliano de Gusmão fica reser­vado para servir de denominação a uma praça pública existente e sem nomenclatura ou a ser construída futuramente neste município”. A pro­messa, porém, ficou no papel, e nenhuma nova praça recebeu o nome de nosso primeiro prefei­to e juiz de Direito.

Em janeiro de 2007, o prefeito Welson Gaspa­rini (PSDB) sancionou uma lei de autoria do então vereador Wandeir Silva (PMDB) – aprovada em de­zembro de 2006 – que autoriza o chefe do Execu­tivo a denominar de Manuel Aureliano de Gusmão “logradouro público ou próprio municipal”.

PRAÇA SETE DE SETEMBRO já foi chamada de Aureliano de Gusmão, mas a Câmara
mudou o nome do local na gestão do prefeito Antonio Duarte Nogueira, o pai

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