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O pomo da discórdia

Para que uma nação vá bem é imperiosa a concórdia e har­monia, tanto é que a nossa Constituição Federal, em seu artigo 2º assevera: “São Poderes da União, independentes e harmôni­cos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. E mais, a relação entre União e Estados Federativos e municípios deve ser de estreita colaboração, respeitadas as respectivas compe­tências, estas igualmente fixadas na Constituição. Contudo, o terrível vírus e a incompreensão de sua gravidade, além dos males à saúde, está corroendo a nossa institucionalidade.

De se reconhecer que, no princípio, foi tudo bem, com previsibilidade correta. Antes de sua chegada, o governo federal submeteu ao Congresso e foi aprovado um projeto de lei, propondo “medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”. Assim, em 7 de fevereiro, entrou em vigor a Lei 13.979/20, que prevê isolamento, quarentena, realização compulsória de exames, enfim tudo o que está sendo aplicado por aí. Outras restrições, de conformidade com as diretrizes científicas, foram estabelecidas pela Presidência da República, por meio da Medida Provisória 926/20.

Nesta ficou estabelecido que todas as medidas restritivas previstas em lei “deverão resguardar o exercício e o funciona­mento de serviços públicos e atividades essenciais”. Também ali ficou deferida ao Presidente da República a competência para que, mediante decreto, definisse quais os serviços públi­cos e atividades seriam essenciais. E foi assim que o Presiden­te da República, através do decreto nº 10.282/20, definiu quais seriam os serviços públicos e atividades essenciais, livres de quaisquer restrições ao seu funcionamento.

Recentemente, através do decreto 10.292/20, foram nesse rol incluídos : fiscalização do trabalho, produção de petróleo e produção, distribuição e comercialização de combustíveis, gás liquefeito de petróleo e demais derivados de petróleo, bem como atividades religiosas e loterias esportivas. Ainda o Congresso aprovou o reconhecimento do estado de Cala­midade, para efeitos fiscais. Como se observa, há todo um arcabouço jurídico próprio do Estado de Direito, a enfrentar uma situação inédita e inesperada.

Se, em tese, estaria tudo perfeito, qual seria, então o pomo da discórdia? Acontece que o artigo 3°, da citada lei 13.979/20, defere aos Estados e aos municípios a competência para estabelecerem as medidas restritivas, no particular de seus interesses locais, da competência concorrente. E, no entender da Presidência da República, essas restrições, como Isolamento, quarentena etc. estariam prejudicando a economia.

Não propriamente por essa razão, mas porque, na MP foi atribuídas a agências reguladoras competências antes não de­feridas, pelo PDT foi ajuizada a Ação Direta de Inconstitucio­nalidade (ADI) nº 6.341, perante Supremo Tribunal Federal e, este, em despacho da lavra do ministro Marco Aurélio, em providência liminar, acabou por reconhecer, inclusive, o direito de Estados e municípios de continuarem as restrições.

Consequência: não obstante todo o trabalho legislativo previamente feito para encarar o mal, de acordo com os pre­ceitos científicos, e para a harmonização entre os poderes e os órgãos do Estado, o presidente está conclamando a população a sair às ruas, ter atividades normais e fazer compras. É da História que, em 1947, o presidente Getúlio Vargas proferiu a expressão pejorativa: “Lei! Ora, a lei”.

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