Em “Tia Júlia e o Escrevinhador” (1977) Mario Vargas Llosa narra uma estória que se passa nos anos 50, sobre um estudante de Direito, chamado por seus parentes ora de Marito, ora de Varguitas, que, aos 18 anos, trabalhando como jornalista numa rádio em Lima, sonha em ser escritor e morar numa água-furtada em Paris. Varguitas, no entanto, acaba se apaixonando por Tia Julia, irmã da esposa de seu tio, que é divorciada, boliviana, tem 32 anos, e está em Lima, ao que tudo indica, para encontrar um novo marido. Trechos da obra:
“Durante o almoço, com aquele ar carinhoso que os adultos adotam quando se dirigem aos idiotas e às crianças, me perguntou se eu tinha namorada, se ia a festas, que esporte praticava e, com uma perversidade que eu não entendia se era deliberada ou inocente, mas que de qualquer modo me tocou a alma, me aconselhou a assim que eu pudesse deixar crescer o bigode. Ficava bem nos morenos e me facilitaria as coisas coma as garotas. (…) O ruim de ser divorciada não é que todos os homens se achem na obrigação de fazer propostas – me informou tia Julia. – Mas sim que por ser divorciada pensam que podem dispensar o romantismo. Não namoram, não fazem gentilezas, já vão propondo coisas de cara com a maior vulgaridade. Isso me desanima”.
Em “A Casa Verde” (1966), Llosa narra a história de um prostíbulo, construído pelo forasteiro Don Anselmo, e ambientado num período dos anos 40 em duas regiões do Peru: o bairro de la Mangachería, no norte; e em Santa Maria de Nieva, uma feitoria e missão religiosa, perdida na Amazônia peruana.
Nela, a narrativa se inicia em sequência cinematográfica. Duas freiras missionárias desembarcam de uma lancha, no coração da selva, e, ajudadas por soldados, se aproximam de um grupo indígena aguaruna, e sondam o ambiente. Vendo-as, alguns índios adultos e uma velha com crianças oferecem presentinhos, entreolham-se, pensam e dialogam. Eis que, num gesto rápido e certeiro, as freiras pegam duas meninas e disparam em fuga. Trata-se de um sequestro. Confusão, perseguição, luta corporal e fuga na lancha. Inicia-se a casa verde, prostíbulo que atiçou a imaginação dos piuranos e do menino Mario, no ano de sua infância na cidade. Junto a ele, personagens históricos criam um realismo mágico, onírico, gênero que marcou a literatura latino-americana dos anos 60. Trechos da obra:
“- Não gosto dessas coisas, em Chicais quase fiquei doente – repetiu o Pequeno com uma careta de desagrado. – Não se lembram da velha peituda? Foi errado arrancar as crias assim. Sonhei com isso duas vezes. – E olhe que elas não arranharam você como fizeram comigo – disse o Louro, rindo; mas logo ficou sério e acrescentou: – Era para o bem delas Pequeno. Para ensinar a vestir-se, a ler e a falar cristão. – Ou prefere que elas continuem selvagens? – perguntou o Escuro.” ( Trecho em que falavam sobre a catequese das índias crianças que eram levadas das tribos, pg.121).
“É por isso que acho que as mágoas lá no fundo explicam tudo – disse o Jovem. É por isso que alguns viram bêbados, outros padres, outros assassinos.” (pg. 236). “No princípio tinha um pouquinho de medo, mas agora não, só ficava nervoso. O patrão teve medo alguma vez? Nunca, porque pobre que tem medo fica pobre a vida inteira. Mas não era bem assim, patrão, Nieves sempre foi pobre e a pobreza não obedecia ao medo. É que Nieves se conformava e o patrão, não.” (pg. 285). “E pergunta-se pela última vez se foi melhor ou pior, se a vida deve ser assim, e o que teria acontecido se ela não, se você e ela, se foi um sonho ou se as coisas são sempre diferentes dos sonhos, e faça um esforço final e pergunte-se se alguma vez você se resignou, e se é porque ela morreu ou porque é velho que você está tão conformado com a ideia de morrer.” (pg. 349)
“Os Contos da Peste” (2016), obra dramática inédita do autor, publicada pela D. Quixote, é inspirada em oito dos contos do “Decameron”, obra escrita por Bocaccio, entre 1348 e 1353, cujo contexto básico trata da reunião de alguns jovens numa morada, ao redor de Florença, contando, uns aos outros, histórias diversas, enquanto a peste assola a cidade. Em Llosa, humor, imaginação, amor carnal, amor espiritual e detalhes das relações entre classes sociais são objetos de especulação, análise e ironia utilizados para tratar da luxúria e da sensualidade exacerbadas pela sensação de fim do mundo ocasionada pela pandemia. Uma recriação magistral de um clássico da literatura europeia.