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O Peru e sua Literatura (4): César Vallejo

César Vallejo (1892-1938) foi um poeta peruano muito influenciado pelo van­guardismo. Considerado pela crítica especializada como um dos maiores poetas hispano-americanos do século XX, e o maior poeta peruano, atuou, também, na escrita de contos, romances, dramatur­gia e ensaio. Professor, com a vida marcada pela miséria e desamparo, foi perseguido por sua militância esquerdista e mestiçagem. Seu primeiro livro, “Los Heraldos Negros” (1918), bem acolhido pela crítica, ainda traz poemas vincula­dos ao modernismo hispano-americano, com tendência a um certo simbolismo. Entretanto, trazem transições sintáticas próprias da oralidade que, lidas hoje, nos fazem lembrar dos brasileiros Manoel de Barros e Guimarães Rosa, bem como, do poeta norte-americano Edward Estlin Cummings (E. E. Cummings). Em todos, o uso não ortodoxo das letras maiús­culas e minúsculas e da pontuação, com as quais, inesperada­mente, interrompe uma frase, ou mesmo palavras individualmente, explorando fone­mas individuais para chegar ao “microritmo”. Características, estas, por sua vez, que, por tratarem do cotidiano, dele extraindo sentido profundo, também lhe angariaram zombarias pela técnica utilizada. Não obstante, sua poesia, mar­cada pela inovação, e rompendo com os cânones da sintaxe tradicional, do léxico e da gramática, definiu seu estilo, prontamente amadurecido na obra “Trilce”(1922).

Depois de “Trilce”, não voltou a publicar poemas, mas, sim, contos, ensaios, um romance e várias peças teatrais. Todos, após superados os muitos obstáculos para serem publicados, também acolhidos satisfatoriamente pela crítica. Na década de 30, voltando aos poemas, Vallejo apresenta produções extremamente profundas. Reunindo-as em “Poemas humanos” (1939), são caracterizadas pela dor de viver, mostrando a solidariedade como antídoto para este e outros sofrimentos. Nesses poemas já se nota o afastamento de Vallejo da figura do poeta desolado, que sacrifica sua originalidade em função da concepção “tudo já haver sido dito”. Entretanto, a retomada da metrificação e da forma fixa, tradicionais, em alguns, convive em harmonia com os recursos da oralidade e das vanguardas, alcan­çando o que viria, posteriormente, a ser chamado de pós-modernismo. Desta forma, estudiosos categorizam em três fases a produção poética de Vallejo: pré-moderna, moderna (ou vanguardista) e pós-moderna. Além dos livros de poemas inéditos, Vallejo também deixou outras obras acabadas e não publica­das, entre romances, dramas e ensaios. De acordo com especialistas, “A magnitude de sua poesia, em um sentido realmente humano, além do formal, fez com que, mesmo um pensador do porte do monje trapista, poeta e pensador Thomas Merton, tenha considerado Vallejo o mais impor­tante poeta universal depois de Dante”.

Além do títulos já citados, são de sua autoria: no gênero lírico,“España, aparta de mi este cáliz” (1940) e “Obra Poética Completa” (1968), incluindo manuscritos e publicações em revistas; como romances, contos e crônicas, “Escalas melografiadas” (1923), “Fabla Salvaje” (1923), “El Tungsteno” (1931), “Rusia 1931” (1931, 1959; 1965), “Rusia ante el segundo plan quinquenal (na imprensa: 1932/ em livro: 1965)”, “Hacia el reino de los Sciris (trechos na imprensa: 1931/ obra completa: 1944)”; no gênero dramático, “Lock out”, “Entre las dos orillas corre el río”, “Colacho hermanos o Presidentes de América” e “La piedra cansada”, publicadas por Enrique Ballón Aguirre, em 2 volumes (1979); e no gênero ensaio, publicados em 1973 pela Editora Mosca azul, “Contra el secreto professional” e “El arte y la revolución”. Um exemplo? O poema Todos estão mortos, de “Los Heraldos Negros”, traduzido por Antonio Miranda:

Morreu dona Antônia, a rouca, que fazia pão barato no burgo.
Morreu o padre Santiago, a quem prazia que o saudassem os jovens e as moças, respondendo-lhes indistintamente: “Bom dia, José! Bom dia, Maria!”
Morreu aquela jovem loura, Carlota, deixando um filhinho de poucos meses, que logo também morreu, oito dias depois da mãe.
Morreu minha tia Albina, que costumava cantar tempos e modos de herança, en­quanto cosia pelos corredores, para Isidora, a criada de ofício, a honradíssima mulher.
Morreu um velho torto, seu nome nem lembro, mas dormia ao sol da manhã, senta­do à porta do amolador da esquina.
Morreu Rayo, o cão de minha altura, ferido de uma bala perdida. (…)
Morreu minha eternidade e a estou velando.

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