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O Peru e sua Literatura (13): José Carlos Mariátegui

José Carlos Mariátegui La Chira (1894-1930) foi um escritor, jornalista, sociólogo e ativista político peruano que destacou-se como um dos primeiros, e mais influentes, pensadores do marxismo latino-americano no século XX. Pensador cuja obra “Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana” alcançou um significado universal por sua força e originalidade. Nela, primeiro documento de análise da sociedade latino-americana segundo estudiosos do autor, Mariátegui examina a situação econômica e social do Peru de um ponto de vista marxista. Partindo da história econômica do país, apresenta o “problema indígena”, que o autor liga ao “problema agrário”, defendendo a ideia de que a transição para o socialismo poderia ocorrer através das formas de coletivismo tradicionais, praticadas pelos indígenas, o que foi taxado, por seus opositores, de romantismo nacionalista. Na sequência, o autor trata da educação, religião, regionalismo, centralização de poder e literatura peruanos, responsa­bilizando os proprietários de terras pela situação econômica do país e pelas condições de vida miseráveis dos indígenas da região.

Redator do jornal El Tiempo, Mariátegui fundou o Partido Comunista do Peru e a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru. Em vida, chegou a publicar apenas dois livros, a saber, “La escena contemporânea” e “Sete ensayos de interpretación de la realidad peruana”, deixando inacabados e inéditos dois outros, “El alma matinal” e “Defensa del marxismo”, publicados em 1950 e 1955, respectivamente, embora, em grande parte, já tivessem sido publicados pela imprensa. Todos os seus livros, além da sua abundante produção jornalística (artigos, conferências, ensaios e uma novela), escritos ao longo de apenas sete anos (1923-1930), foram editados e publicados após a sua morte, por iniciativa de sua viúva e seus filhos.

Segundo especialistas, escrevendo sua obra no contexto peruano da política autoritária do presidente Augusto Leguía (1919-1930), sob o qual o marxista peruano foi encami­nhado ao exílio na Itália em 1919, Mariátegui retorna ao seu país em 1923. Este contexto vivido por Mariátegui – o Peru e a América Latina da década de 1920 – é marcado pelo efervescer ideológico e pelo rompimento de intelectuais latino-americanos com as referências eurocêntricas, com a crítica do positivismo e com a ascensão de correntes nacionalistas, espiritualistas e irracionalistas (crise pós-guerra), bem como do marxismo revolucionário advindo dos relatos da Revolução Russa de 1917. Neste contexto, a reflexão mariateguiana sobre a questão religiosa é esparsa por sua obra. Em artigos como, por exemplo, “O homem e o mito”; “Pessimismo da realidade e otimismo do ideal” (ambos de 1925); e “A agonia do cristianismo, de Dom Miguel de Unamuno” (de 1926), a discussão de Mariátegui reflete sobre a compreensão do sentimento religioso como propulsor do desejo revo­lucionário, agregando a dimensão da fé e da mística à luta operária. Já nos “Sete ensaios” (1928), especialmente no capítulo “O fator religioso”, Mariátegui procede a uma análise histórica concreta do fenômeno religioso incaico e da organização da Igreja Católica no desenvolvimento histórico do Perú, desde a colônia até a independência do país.

Autor cuja juventude foi profundamente marcada pela reflexão de fundo místico, tal fato influenciou sua obra posterior – principalmente ao referir-se a uma concepção heroica da existência e à necessidade de fundamentos metafísicos para a ação revolucionária, me­diante um conflito não resolvido entre esta sua formação e a assimilação do materialismo marxista. A maneira como Mariátegui lida com a idéia de “mística” e “religião”, em sua re­lação de semelhança com o desejo revolucionário socialista, implica, portanto, sua rejeição à crítica anti-clerical dos representantes de um “livre-pensamento” ortodoxamente ateu, laico e racionalista, reconhecendo “às instituições e sentimentos religiosos um significado muito diferente daquele que ingenuamente lhe atribuíam, com radicalismo incandescente, as pessoas que identificavam religiosidade e ‘obscurantismo’”.

Já a religiosidade popular torna-se objeto da análise de Mariátegui quando este se propõe a discutir diferentes opiniões a respeito do Perú contemporâneo, no começo do século XX, período em que desenvolve-se o indigenismo. A proposta de seu ensaio? Superar a identificação entre religião e obscurantismo e explicar como as concepções religiosas intervêm decisivamente na vida social e são determinantes em seu desenvolvimento, propondo uma interpretação do papel cumprido pela religião no Perú. Um trecho de “Sete ensaios”? “O ‘indigenismo’, como vimos, está erradicando, pouco a pouco, de suas raízes, o ‘colonialismo’. E este impulso não vem exclusivamente da serra… vêm até nós de variadas influências internacionais. Nossa literatura entrou em seu período de cosmopolitismo. Em Lima, esse cosmopolitismo traduz-se, entre outras coisas, na imitação de não poucos de­cadentismos ocidentais corrosivos e na adoção de modas anárquicas da virada do século. Mas, sob esse fluxo precário, anuncia-se um novo sentimento, uma nova revelação. Ao longo dos caminhos universais e ecumênicos, tanto eles nos censuram, que estamos cada vez mais perto de nós mesmos”.

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