A pessoa ou indivíduo ocupa um lugar no mundo, em torno do qual ele circula, quando não se aventura por linhas divergentes, que podem no seu tempo e espaço se convergirem.
Nesse seu percurso ela deixa suas digitais nas paredes da vida, que refletem sua fé, paixões, sentimentos, crenças, o sentido que deixou para ser lembrado como alguém que já se foi.
E dentre os sentimentos é a vez da inveja ser comentada, porque ela é o tema do livro “O pecado Oculto”, que Cesar Augusto Batista incorpora ao seu patrimônio de autor, com o prefácio de Marcos Zeri Ferreira, ambos da Academia Ribeirãopretana de Letras. Eles juntos invadem a alma humana, como garimpeiros tomados pela obsessão do enigma de energia etérea, alojada no corpo físico, que pode ser fragilizado e ficar doente pelo sutil império de um sentimento negativo, como é o da inveja. Um “defeito ético”, qualificado pelo autor.
O tema do livro sugere muitos exemplos, como o da mulher abastada querendo se separar do marido pela razão tola e menor de que a mulher do sócio dele trocava de carro todo ano, e ela não. A cura veio da conscientização que ela mesma assumiu, quando advertida da pequenez de sua razão ética e moral, e dos valores ameaçados pela pretendida separação.
A inveja é o querer aquilo que não se tem, mas de forma defeituosa e negativa, pois se compara com o outro, que tenha ou que ela pensa que ele tenha. Diferentemente do ciúme, diz autor, pois esse nasce do medo de perder o que se tenha possessivamente como seu. Dentre outros autores, o livro refere-se a Francis Bacon, quando no seus ensaios ele diz da inveja “… é uma paixão inquieta e acolhedora que obriga o caminhar pelas ruas, e não permite que fique em casa”.
Esse invejar atinge degrau diminuto, quando a inveja é pela compleição física do outro, seu modo de se vestir, sua fluência no falar, seu conforto material, o seu sucesso reconhecido na vida profissional ou político, sua capacidade de se relacionar com toda e qualquer pessoa, em qualquer situação, sua vida organizada com família, ou sem ela.
A inveja é a inconsciência de seu lugar, de sua potencialidade, de seus limites. Sem isso, é um sentimento corrosivo, como lembra Cesar avalizado pelo Marcos.
Não há inveja, porém, no diálogo, entre duas senhoras abastadas, relatado pelo motorista de táxi, no qual uma dizia a outra estar indignada porque sua empregada doméstica fora de férias para o nordeste, visitar a família, e foi de avião. Que absurdo!
Nesse episódio emerge, sim, o preconceito da discriminação econômica e social, herdada culturalmente do longo período da escravidão.
Mas, o mais expressivo exemplo de inveja, dissimulada, surge na e da política, esse palco das paixões, como ocupantes permanentes da flor da pele.
Como se sentem muitos servidores togados do Estado, que deveriam estar discreta e eficientemente exercendo suas funções, exigentes de estudo e concurso público, diante de um retirante, torneiro mecânico, que perdeu um dedo no seu trabalho, dono só das primeiras letras, e que a universidade da vida fê-lo líder sindical, político, estadista, Presidente da República, homenageado 36 (trinta e seis vezes) com a láurea de Doutor Honoris Causa, inclusive por universidades do mundo?
A inveja, soberba e arrogante, pode dissimuladamente querer dar uma lição nesse atrevido, afetando até o dever de julgar, exigente do esforço heroico da imparcialidade. Souberam humilhar e em seguida souberam gargalhar. Será que o “defeito moral da inveja” não está presente no julgamento que atrai outros graves interesses, de poder, de promessa de cargo de Ministro, e até mesmo dinheiro? A inveja, na política, tende a surgir como fúria.
Mas o exemplo mais patético da inveja é a que acontece no velório de alguém. Quando há quem sinta inveja do morto, só porque ele está sendo chorado, reverenciado.
Cesar e Marcos, juntos, procuraram interpretar a intimidade do ser humano, e se saíram bem, desventrando a inveja.