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O Paulinho que não era ‘da Viola’

Ele era quase um menino ainda quando, da porta do banco em que trabalhava, no centro do Rio de Janeiro, fitava as figuras ilustres que o aguardavam do lado de fora. Incrédulo, em meio aos colegas apressados, cochichava a si mesmo: “Não acredito que Zé Keti, Hermínio Belo de Carvalho e Cartola estão esperando eu sair do trabalho para ter-me em suas companhias”. Era isso mesmo. O trio montava guarda em frente à agência porque havia o risco de outros sambistas levá-lo para outras rodas de samba, como era costumeiro.

Assim nos contou Paulinho da Viola numa tarde na Churrascaria Coxilha dos Pampas, aqui em Ribeirão Preto, dia seguinte a um show que fizera no Theatro Pedro II. Foram tantas histórias contadas por ele que meu repertório de causos enriqueceu. Disse que, desde muito pequeno, seu ouvido foi educado a escutar os maiores músicos do Rio de Janeiro, todos amigos de seu pai, o senhor Cesar Faria, violonista integrante do conjunto “Época de Ouro”, no qual também tocavam Jacob do Bandolim, Pixinguinha e outros bambas – basicamente choro e samba.

A vida do músico sempre foi instável, e por viver na corda bamba, seu pai não queria que o filho seguisse o mesmo caminho, tanto que se recusou a ensinar Paulinho da Viola a tocar violão – teve que aprender com um amigo de “papai”, como ele se referia a seu velho, o senhor Cesar Faria. O pai batalhou muito para que ele estudasse e escolhesse uma profissão estável, mas a música cada vez mais se fazia presente em sua vida. Tocava cavaquinho e violão com maestria. No violão, usava os baixos que encantavam a quem ouvia. Essa categoria o levou a pisar no terreiro dos grandes sambistas. Quando terminou o curso de técnico em contabilidade, conseguiu emprego no banco.

Como nada acontece por acaso, um dia entra na agência o poeta e compositor Hermínio Belo de Carvalho. Foi atendido por Paulinho, e durante o papo o rapaz contou que ara filho de Cesar Faria e que já o conhecia da casa de Jacob do Bandolim. O poeta perguntou se também tocava como o pai, e ele timidamente disse tocar violão e cavaquinho, mas longe de ser como seu Cesar.

Alguns dias depois, Hermínio o levou a um bar que mudaria sua vida, o “Zicartola”, de Cartola e sua esposa dona Zica, local que ganhou projeção nacional. Todo o universo do samba sonhava em estar naquele palco. Ali, Paulinho passou a acompanhar, sempre com seu violão, grandes sambistas como Zé Keti, Nelson Sargento e Elton Medeiros.

Todos queriam cantar sob os acordes de seu violão e Paulinho, orgulhosamente, nos contou que seu primeiro cachê na noite foi pago pelas mãos de Cartola. Eu fico só imaginando o compositor de “As rosas não falam” pagando um músico pelo seu trabalho.

Paulinho nasceu Paulo Cesar Batista de Faria. Até conviver com estes monstros sagrados do samba ele era conhecido como Paulo Cesar. Uma noite, no “Zicartola”, Zé Keti, meio invocado, reuniu Cartola, Elton, Hermínio e Nelson Sargento – também estava por lá o jornalista e amante do samba Sergio Cabral, que entrou na roda de prosa para escolher um nome artístico para aquele jovem músico.

Dizia Zé Kéti: “Precisamos batizar Paulo Cesar, até porque Paulo Cesar não é nome de sambista”. Sergio Cabral deu o pontapé inicial e sugeriu um pseudônimo com a palavra “viola”, lembrando o músico Mano Décio da Viola. Zé Kéti disse: “Paulo da Viola”. Fez-se um silêncio momentâneo e… “Paulinho da Viola”, completou Sergio Cabral. Todos concordaram. Nascia ali, naquela memorável noite, o grande cantor e compositor Paulinho da Viola.
Quando penso que eu, sentado àquela mesa do Coxilha dos Pampas, juntamente com Sócrates, José Luiz Datena e Carlinhos Vergueiro, vivi tudo que escrevi acima, só posso me sentir um cara privilegiado. Ah, a foto que ilustra este texto foi tirada pelo Datena.
Sexta conto mais.

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