Rubén Bareiro Saguier (1930-2014) foi um poeta, escritor e advogado paraguaio. Tendo passado sua infância no campo, aprendeu a gostar da calma local. Porém, ainda aos 11 anos, veio a conhecer a injustiça dos regimes autoritários quando, tendo chegado a polícia para buscar seu pai em casa, ao não o encontrarem, levarem-no em seu lugar. Em 1947, universitário de Letras, ao tornar-se militante estudantil voltou a ser preso. Em 1962, uma bolsa de estudos o levou à França para estudar na Universidad Paúl Valéry-Montpellier III. Dois anos depois, Saguier veio a publicar seu primeiro livro, “Biografía de ausente”, ao mesmo tempo em que adentrava à carreira universitária: assistente e leitor de espanhol na Universidade de Paris, catedrático de literatura hispano-americana e língua Guaraní na Universidad de Vincennes. Em 1971, a publicação de “Ojo por Diente” lhe acarretou o prêmio cubano “Casa de las Américas”. No ano seguinte à premiação, estando Saguier em visita ao Paraguai durante a ditadura de Alfredo Stroessner, o mesmo veio a ser preso, acusado de promover ações subversivas. Ao saber do ocorrido, entretanto, intelectuais de todas as partes do mundo se mobilizam para exigir sua libertação. Alguns exemplos? Em França, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Roland Barthes; Na Colômbia, Gabriel García Márquez; No Peru, Mario Vargas Llosa; Na Argentina, Ernesto Sabato, Marta Lynch e Manuel Puig; Na Espanha, Fernando Savater e Vicente Aleixandre, além de muitos outros. Libertado, é expulso do Paraguai e condenado a um exílio que duraria até a queda da ditadura, em 1989. Embaixador do Paraguai na França por quase vinte anos, finda a função, retornou ao seu país. Em 2014, aos 84 anos, veio a falecer por problemas cardíacos. Intelectual e crítico literário e social, Saguier foi autor de mais de 20 títulos publicados no Paraguai, além de ensaios sobre a cultura paraguaia em diversos periódicos nacionais e internacionais.
Em entrevista concedida a um periódico francês, em 1995, Saguier afirmou que o período compreendido da escrita de “Biografia de Ausente” (1964) até a publicação dos seus outros dois livros de poemas corresponde a uma época de consciência renovada dos valores fundamentais de sua cultura. A estadia em França, segundo ele, aperfeiçoou a perspectiva a partir da qual ele observava o mundo e sua própria realidade. Para o autor, o distanciamento, e a apropriação de novos elementos culturais, lhe permitiram ver sua vida no mundo, e o próprio mundo, como um todo, sem a interferência de nada, nem de ninguém. Em 1970, em Vincennes (mais tarde Paris VIII), trabalhar com a língua Guarani o fez deixar de ser um paraguaio bilíngue comum para se tornar um pesquisador que refletia sobre os valores imersos na linguagem. Tal redescoberta, e admiração, levaram-no, também, à poesia e a redescoberta de se considerar um ser essencialmente religioso. Segundo Saguier, seu trabalho é algo impregnado de uma fusão de elementos naturais com essência humana. Algo transcendente, que não opõe sua tradição religiosa à cultura mestiça. Um exemplo disso? Na crença guarani, segundo o autor, dormir é um momento de morte; ao despertar, recupera-se o fio da vida. Escrever, no exílio, então, seria retornar o lugar onde ambos os mundos – o das raízes e o das pétalas ao vento – se encontram.
Sobre suas atividades como pesquisador, Saguier as entende como algo altamente motivador para passar de uma tarefa de pesquisa para uma tarefa criativa. “Eu não sou um autor que escreve sobre tudo ou qualquer coisa, como uma prática simples ou um exercício de estilo. Eu preciso de um estímulo “válido”, algo que me preocupe e me motive. Por sua vez, sobre o trabalho de educação bilíngue por ele realizado no Paraguai, após seu retorno do exílio, afirma, “Este não é um trabalho improvisado. Inconsciente, mas lucidamente, estava me preparando para realizar um sonho querido há muito tempo: que a criança de meu país fosse educada em sua língua materna. Na Convenção Nacional Constituinte de 1992, fui o proponente do artigo que consagra na nova Carta Magna o Espanhol e Guarani como línguas oficiais da República, e nas quais se estabelece a obrigatoriedade de uso da língua materna no início da escolaridade, e só depois começar a incorporar a outra língua. Quando eu propus, pensei nos rostos ausentes e tristes das crianças camponesas. Falantes de Guarani – muitos deles meus colegas de classe. Me doía aquela tristeza, e me doeu mais quando descobri que a porcentagem monstruosa de analfabetos em meu país – principalmente funcionais – foi o resultado de tentativa falaciosa, e desumana, de fingir transmitir conhecimento a eles em uma linguagem que eles não entendiam. Desde março de 1994, a educação bilíngüe é uma realidade em grande parte do Paraguai, e em junho pude ver o sorriso nos rostos das crianças camponesas que, finalmente, entendiam o que o professor lhes transmitia. Nós trabalhamos muito para ver o início dessa magnífica experiência de justiça social. Posso dizer que uma das satisfações mais agradáveis, e intensas, da minha existência é a de ter sido um trabalhador obstinado, e intransigente, por essa causa nobre. Às vezes espero poder refletir, em minha escrita, a luz do sorriso que vi ser desenhado nos rostos de crianças camponesas aprendendo a ler e a escrever em seu idioma. Ou o brilho de alegria nos olhos dos meninos falantes de Espanhol, cantando ou recitando em Guarani, descobrindo que ele têm duas línguas para se expressar.
Indagado sobre o exílio a que foi submetido, Saguier afirma que a expressão “literatura do exterior” tem uma base objetivamente aceitável, ao mesmo tempo que requer alguns esclarecimentos. Ela é aceitável na medida que diz respeito à produção de escritores que, por razões imperiosas de exílio, ou expatriações mais ou menos restritivas, os autores tenham que fazer parte de seu trabalho fora do país. Nas entrelinhas disso também está, segundo ele, a repressão ditatorial, cujo objetivo era quebrar o corpus da cultura paraguaia, já que não tinham conseguido reduzi-lo. O que, por sua vez, ele afirma considerar inaceitável é fazer uma avaliação que privilegie estrangeiros em detrimento da “qualidade” de quem, e do quê, se produz dentro de casa, ou vice-versa. Aceitar esta posição, segundo o autor, é fazer o que a ditadura se propôs a fazer: dividir para reinar. Em suas palavras: “Eu acho que todas essas expressões foram o resultado da situação anômala imposta pela tirania. Um e outro cumpriram a tarefa de manter a chama da dignidade, o brilho da esperança; cada um lutou com as armas que poderia empunhar. Alguns de nós, de fora, tinham “liberdade” para se expressar, mas ao custo da dor da ausência e do perigo de cair na distorção idealizadora que a nostalgia freqüentemente produz. Os interioranos, por sua vez, sofreram humilhações diárias, dirigindo o iminente risco de repressão aberrante, ou tendo que escrever sob a placa da autocensura degradante. Cada um tinha, conseqüentemente, sua cota de indignação e contribuiu, a seu modo, para manter o material da recuperação da nossa dignidade coletiva. Logo, entendo que não pode ser considerada superior, ou inferior, mas diferente, a tarefa realizada por um e por outro.”