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O Paraguai e sua Literatura: GABRIEL CASACCIA (2)

“La babosa” (“A lesma”, em português), é o primeiro grande romance moderno paraguaio, com o qual Gabriel Casaccia iniciou o gênero no país. Publicado pela primeira vez por Losada, Buenos Aires, em 1952, não teve tradução para o inglês. Entretanto, foi publicado em França como “La limace”, pela Gallimard, em 1959. Nele, o espaço é representado por casas humildes e parecidas, sendo que a rua principal não leva a lugar algum, nem à igreja, nem ao horizonte apagado. De vivo apenas a vegeta­ção e as lesmas, lentíssimas em seus deslizamentos. Características, estas, que sugerem, em conjunto e comparadas, estatismo e tristeza. A cidade deserta, pobre, moribunda e sem saída, é mais lenta que o pequeno molusco que tenta, a custos, se deslocar de um ponto a outro. Por sua vez, em comum, ambas deixam, por onde passam, a trilha brilhante de seu repugnante muco. Complexo processo de recriação artística de um lugar existente no mapa, Areguá, no romance, é uma criação artística espacial simbólica, cuja metáfora busca revelar como Casaccia concebe o ambiente de seu país. Por conseguinte, sem água corrente nem eletricidade e tampouco infraestrutura, a cidade, aos olhos de seus habitantes, deteriora-se e degrada-se infinitamente, contagiando seus moradores com essas características, também.

Nele, Ramón Fleitas, camponês que, formando-se em Direito, mudou-se para a cidade, casa-se com Adela, uma adorável senhora, cujo pai é advogado e patrão de Ramón. Tendo ambições de tornar-se escritor, Ramón, após publicar alguns poemas, encontra-se trabalhando em um romance. No entanto, ele não gosta do sogro (que, junto com sua filha, é um dos poucos paraguaios simpáticos) e logo se mostra desones­to. Afeito a bebida, logo assedia Paulina, a empregada da casa, roubando uma grande quantia de dinheiro do sogro. Porém, perde quase tudo no jogo, ocasionando a expulsão de Adela da própria casa, a qual é substitu­ída por Paulina e sua família. Ramón, então, prepara roubos com outros vigaristas e, juntos, conseguem beber, corromper e roubar no local.

Para escapar de seu sogro, Ramón vai ao Ministério das Relações Exteriores, onde um amigo da faculdade acaba de ser nomeado ministro, na esperança de conseguir um emprego. Não consegue ver seu amigo, mas fala com Espinoza, nominalmente o bibliotecário, mas, na verdade, o porteiro. Mais tarde, naquele dia, depois de ter perdido mais dinheiro no jogo, ele revê Espinoza no cassino e lhe dá algum dinheiro. Espinoza vence e oferece uma cama para Ramón passar a noite. Reaparecendo em Areguá, onde Ramón mora, Espinoza prepara um plano para roubar as joias de Dona Clara, patroa de sua namorada. Entretanto, vasculhando a casa da mesma, sem sucesso, é surpreendido pelo retorno da vítima, a qual é agredida por ele com uma garrafa de anis. Temendo tê-la matado (o que não ocorre), Espinoza foge, mas consegue encontrar as joias pouco antes de fazê-lo.

Mas é Dona Angela, irmã de Dona Clara, a personagem mais fas­cinante. É ela a “lesma” de que trata o título da obra. No início do livro, ambas moram juntas e vivem uma amarga relação. Pelo que se sabe, Dona Clara roubou o homem que a irmã amava, casando-se com ele, o qual, pouco tempo depois, morreu. Dona Clara também herda a herança do pai, que preferia Clara a Angela, uma vez que Angela é muito bisbilhoteira e vivia espalhando fofocas sobre tudo e todos, carac­terísticas, estas, que a fazem ser chamada de lesma. É ela que espalha o boato de que Ramón e Paulina estão tendo um caso, o que, na ocasião, não ocorria. Na verdade, ela espalha tantas fofocas maliciosas que até o padre ameaça expulsá-la da igreja.

Conforme o livro avança, Angela consulta advogados, até mesmo Ramón, sobre o processo de herança de sua irmã. Ao longo do livro, entretanto, Angela se revela hipócrita, maliciosa e, exatamente por isso, uma personagem maravilhosa. Tão original que autor e leitor se esquecem de Espinoza, de Adela e de Ramón para focarem nela. O caráter de Ángela, bem como, de Ramón e de Espinoza são pautados pelos ambientes e deta­lhes materiais, e mundanos, que marcam o cotidiano de suas vidas. Por oposição, característica de igual valor, mas desta vez, positivo, repousa nos momentos em que, para escapar dos ambientes sufocantes do local, os personagens buscam, dentro de si, um espaço agradável e feliz, resga­tando-o na memória. Tal procedimento permite que Casaccia rompa o estatismo de Areguá e, assim, amplie a dimensão espacial da obra. É o espaço, portanto, trabalhado como tema e técnica narrativos.

Nas palavras da crítica, “Areguá serviu-lhe de microespaço para caracterizar determinados grupos e camadas sociais e, sobretudo, para revelar a psicologia profunda de seus representantes e, portan­to, para analisar a realidade paraguaia a partir de uma perspectiva muito particular”. Estes signos casaccianos não são apenas paraguaios, mas também, em grande medida, universais, convidando a uma leitura que destaque sua função representativa, alusiva e simbólica, isto é, a complexidade da escrita dos espaços plurais.

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