Dentre as diferentes manifestações culturais e literárias latino-americanas, é comum verificar enredos que, em suas configurações, tanto refletem a tradição discursiva europeia quanto as diferentes formas textuais indígenas e oralidades afro-brasileiras, as quais, em conjunto, revelam-se fundamentais para o alcance da completude, afirmação e equilíbrio intelectual pretendidos por seus autores. Tais peculiaridades, reforçando a perspectiva de que a América Latina tanto deva ser pensada “na condição de herdeira linguística e cultural da Europa”, quanto em relação às suas diferentes obras literárias esclarecedoras de como são construídos os seus conceitos de nação e identidade nacional, apontam para a necessidade de conhecermos melhor o discurso crítico subjacente à mesma.
Os processos de dominação e opressão que ocorreram e ainda ocorrem nas sociedades pós-coloniais, a despeito do fim do processo histórico de colonização, são prova cabal de continuidade das relações de colonialidade na América Latina. Estas, pelo contrário, em pleno pós-colonialismo, prosseguem controlando a economia, a autoridade, a natureza, os recursos naturais, o gênero, a sexualidade, a subjetividade e o conhecimento nas nações locais, descortinando para o mundo um continente que sofreu e sofre de colonialismos sobrepostos, a saber: externo, regional e interno. Exemplo agregador dessas três modalidades, o Paraguai, nação bilíngue e mestiça, colonizado pelos espanhóis, e palco do profundo prejuízo com que os imperialismos internacional e o subimperialismo regional lhe impactaram, busca resistir, cultural e literariamente, contra o extermínio de sua democracia, língua materna e indígena guarani.
Tal preservação, presente tanto na eleição, em 2008, de um presidente da República, Fernando Lugo, mais vinculado aos setores populares e organizados da sociedade paraguaia, a romper, no país, a hegemonia governamental colorada de mais de 60 anos ininterruptos, quanto nas obras de seus autores, em especial nas do corpus de que tratamos neste ensaio, estendendo-se dos costumes populares e pitorescos comuns às nacionalidades culturais do continente americano à exploração de peculiaridades do ser, sua condição e seu destino, contribuindo para a afirmação de uma teoria social no século XXI e sua respectiva produção de conhecimento fecundo e transformador.
Caracterizada, então, mais pela diversidade e pluralidade interna do que pela unidade, a literatura paraguaia, em especial após 1970, é resultado da expansão ibérica, das culturas ameríndias, do elemento africano e das migrações ao continente, ou seja, da colonização local, empreendida na segunda metade do século XX, da descolonização e da tentativa de esclarecimento de sua população, via literatura, dos constantes perigos à democratização visualizados no século XXI. A partir da década de 1970, no contexto das ações do colonialismo interno nas ditaduras implantadas nos países latino-americanos, especialistas afirmam ficar evidente que o poder que rege a colonização paraguaia não é apenas o poder político governamental, mas, também, o econômico, como, por exemplo, o do agronegócio. Neste contexto, tal qual verificamos no corpus literário paraguaio analisado até o momento, pobres continuam excluídos, marginalizados e colocados na condição de subalternidade, enquanto ricos têm seus interesses atendidos, independentemente de sua origem nacional.
A leitura comparada das obras literárias paraguaias que fizemos até o momento permite identificar a procura de uma identidade paraguaia que se intensifica principalmente nos momentos críticos de tentativa emancipatória da nação. O Paraguai, país historicamente instável politicamente, polarizado entre as elites partidárias do Partido Colorado e do Partido Liberal Radical Auténtico, representados, respectivamente, por oligarquia fundiária conservadora e de setores médios urbanos e rurais mais liberalizados, está, atualmente, na periferia da periferia do sistema internacional e na periferia da América Latina. Institucionalmente, Caudilhismo e Autoritarismo são seus velhos conhecidos em contexto político, além de forças que historicamente representaram o colonialismo interno.
Entretanto, o que o corpus de sua literatura analisada neste ensaio mostra é o rompimento da romantização dos oprimidos e explorados no país visando, entendemos nós, a desconstrução da apatia que o paralisa. Se alcançadas, entendemos que tal fato não romperá com as contribuições do pensamento ocidental/europeu/iluminista nas manifestações literárias e culturais do país. Estas, reflexos do processo histórico por ele sofrido, já foram assimiladas e deram frutos. Participar, discutir e reapresentar, literariamente, características dos movimentos sociais atuais, seja em seus discursos, seja em suas práticas, dependerá do engajamento de sua intelectualidade no mundo pós-moderno.