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O Paraguai e sua Literatura: AUGUSTO ROA BASTOS (2)

Considerada em conjunto, a obra de Augusto Roa Bastos é um dos marcos mais relevantes da litera­tura paraguaia. Se na década de 1940 o autor produziu alguns dos mais belos textos poéticos da mesma, a publicação do livro de contos “El trueno entre las hojas” (O trovão entre as folhas), em 1953, abor­dando, em dezessete textos realistas, a opressão dos trabalhadores, o choque entre as culturas nativas e estrangeiras, a guerra e a luta pela sobrevivência no Paraguai, revelou ao público e à crítica a consciência social do mesmo sobre a violência e a escravidão sofridas por sua gente. A linha que os une? A exaltação de ser necessário ter esperança no futuro e na humanidade para não sucumbir à miséria e à opressão. Em suas palavras, “era isso que ninguém, nem mesmo a morte, ia conseguir destruir, porque o melhor de cada um tem que vir junto e sobreviver de alguma forma no melhor dos outros através do medo, do ódio, das dificuldades e da própria morte”. Em “El trueno entre las hojas”, o símbolo está apresentado na epígrafe: “El trueno cae y se queda entre las hojas. Los animales comen las hojas y se ponen violentos. Los hombres comen los animales y se ponen violentos. La tierra se come a los hombres y empieza a rugir como el trueno”. Traduzindo, “O trovão cai e fica entre as folhas. Os animais comem as folhas e se tor­nam violentos. Os homens comem os animais e se tornam violentos. A terra come os homens e começa a rugir como um trovão”. Esta belíssima lenda guarani- recuperada por Roa, é a tónica do livro.

Em 1960, esse prestígio literário foi confirmado com a publicação do romance “Hijo de hombre” (Fi­lho do homem), com o qual antecipou o que é conhecido como o “boom da literatura hispano-america­na”. Esta obra retrata a luta entre a elite governante e os oprimidos no Paraguai de 1912 a 1936, logo após o fim da Guerra do Chaco com a Bolívia. Baseando-se em metáforas cristãs, contrasta duas personagens, Miguel Vera e Cristóbal Jara. Vera, romântico, educado e pertencente à elite, é inseguro e sem ação para apoiar seus ideais. Oposto a ele, Jara, realista, inculto, pertencente ao povo, é seguro de si ao ponto de liderar o povo paraguaio através de ação e consolidação de ideais, características, estas, que, associadas a sua força de caráter, o levarão a ser chamado “filho do homem”, ou seja, “filho da Humanidade”.

De acordo com a crítica, trata-se de uma parábola (narrativa alegórica que transmite uma mensagem indireta, por meio de com­paração ou analogia) que tem como centro e razão de ser o homem humil­de de seu país, o “hijo de hombre”, crucificado diariamente e ao longo do tempo trágico de sua história. É a parábola do povo paraguaio subjugado, escarnecido, desterrado, enterrado. Uma das epígrafes do romance cita o versículo XII , do profeta Ezequiel: “Hijo de Hombre, tú habitas en medio de casa rebelde…”. Trata-se, portanto, da história das aflições e sofrimentos do povo, bem como, de sua luta e a resistência ante a adversidade. Um trecho? “No pienso en ellos solamente. Pienso en los otros seres como ellos, degradados hasta el último límite de su condición, como si el hombre sufriente y vejado fuera siempre y en todas partes el único fatalmente inmortal. Alguna salida debe haber en este contrasentido del hombro crucificado por el hom­bre. Porque de lo contrario sería el caso de pensar que la raza humana está maldita para siempre, que esto es el infierno y que no podemos esperar salvación. Debe haber una salida, porque de lo contrario…”. Traduzindo, “Não penso apenas neles. Penso em outros seres como eles, degradados até o último limite de sua condição, como se o homem sofredor e atormentado fosse sempre e em toda parte o único mortalmente imortal. Deve haver alguma saída para essa contradição do ombro crucificado pelo homem. Do contrário, seria o caso de pensar que a raça humana está amaldiçoada para sempre, que isso é o inferno e que não podemos esperar a salvação. Deve haver uma saída, porque senão …”.

Em 1966, um segundo livro de contos, “El baldío” (O baldio/A terra do desperdício), traz como epí­grafe “el que abandona su viña la verá morir dentro de sí en baldío, y su vino será amargo…”. Traduzindo, “o que abandona sua vinha a verá morrer dentro de si mesmo em um deserto, e seu vinho será amargo”. Abordando o terreno vago (terreno baldio), o território do lixo, espaço do excremento, Roa Bastos abor­da ficcionalmente uma imensa noite, em que tudo foi eclipsado, na qual os humanos gesticulam, se me­xem e se deslocam sem uma finalidade definida. Apenas sobrevivem, com rostos indecifráveis, em odor pútrido, lixos que são de um depósito de detritos e de objetos rejeitados pelos outros. Nele, os humanos vivem a despeito de toda adversidade ambiental. Nas palavras da crítica, vivem por ser a vida indestrutí­vel. Vivem sem formas corporais, só silhuetas vagamente humanas, “corpos absorvidos por suas próprias sombras”. Nele, continua a crítica, “Uma criança, uma pequena forma humana se debate entre as folhas de um jornal. Um homem (um ‘filho do homem’) a toma em seus braços… ‘Seu gesto inábil e descuida­do, o gesto de alguém que não sabe o que faz, mas que não pode deixar de fazê-lo’. ‘Um adulto sem nome salva uma criança sem nome’.”

Humanidade e fatalismo. Em morada incerta, provisória, de exílio e de descentramento. Contos breves, que desfilam aos olhos do leitor os humanos anônimos, ou mal nomeados, que testemunham uma atmos­fera bárbara, “própria da América Latina”, a devorar, reiterativa, o sonho de liberdade de seu povo.

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