Nascido em Assunção, capital do Paraguai, em 1917, Augusto Roa Bastos passou a infância no pequeno povoado de Iturbe, em Guairá, palco dos seus primeiros escritos. Aos 15 anos, combatendo clandestinamente na Guerra do Chaco (1932-1935) contra a Bolívia, ali serviu na enfermaria, como voluntário, durante três anos, aliando-se, posteriormente, às classes oprimidas do seu país, sem vincular-se a nenhum partido político. Em 1947, ameaçado pela repressão do governo contra uma frustrada tentativa de golpe, Roa Bastos foi para Buenos Aires (Argentina), onde sobreviveu nas mais diversas funções. Paralelo a isso, publicou diversos artigos na imprensa local, nela divulgando boa parte de seus escritos iniciais. Em 1945, a convite do British Council, viajou para a Grã-Bretanha e França, ali escrevendo entrevistas e artigos sobre a Segunda Guerra Mundial para um jornal paraguaio. Entretanto, ao voltar a Argentina, outra ditadura o forçou, em 1976, a exilar-se na França, ocasião em que lecionou literatura e guarani na Universidade de Toulouse-Mirail.
Dedicando-se ao teatro, estreou, em 1930, com sua peça teatral “O riso”, iniciando sua carreira literária. Anos depois, sozinho ou em colaboração, novas peças foram apresentadas, dentre elas, “La residenta” e “El niño del rocío”. Em 1946, atuando como bancário e jornalista do jornal El País, de Assunção, Roa Bastos retornou à Europa. Escreveu, em 1937, o romance “Fulgencio Mirand”, nunca publicado, e, em 1942, “El ruiseñor de la aurora” (O rouxinol da madrugada). Em 1944, integrando o grupo Vy’a Raity (O ninho da alegria), o autor dava o passo decisivo para a renovação da poesia e da arte no Paraguai. Fruto disso, Roa Bastos lança, em 1960, em Buenos Aires, uma nova coletânea de poemas, “El naranjal ardiente”. Consolida seu perfil ficcional com as narrativas “El trovão entre as folhas” (1953) e “El baldío” (1966), que abordaram os problemas sociais e políticos de seu país, bem como, com seus romances “Son of Man” (1960) e “Yo el Supremo”(1974), os quais lhe permitiram analisar episódios decisivos da história paraguaia, desde a ditadura inicial de José Gaspar Rodríguez de Francia (1814-1840), com quem lidou na segunda, até a Guerra do Chaco e tempos posteriores.
A partir de 1967, diversas coletâneas do autor são publicadas, dentre elas “Los pies sobre el agua”, “Madera quemada”, “Moriencia”, “Cuerpo presente y otros cuentos”, “Antología personal” e “Contar un cuento y otros relatos”. Em 1985, uma nova peça de teatro, “Yo el Supremo”, que aproveita episódio do romance de mesmo título. Em 1992, por ocasião do Quinto Centenário do Descobrimento da América, Roa Bastos lançou “Vigilia del Almirante”, romance sobre Cristóvão Colombo, iniciando um novo período de grande criatividade, do qual também se originaram os romances “El fiscal”, “Contravida” e “Madama Sui”. A semelhança entre essas obras? A recriação de momentos e personagens da história do Paraguai, mescladas com ingredientes autobiográficos e criatividade discursiva. Fruto de suas viagens, vários ensaios, e roteiros de filmes, também foram publicados.
A preocupação central da sua obra é destinada a indagar a trágica história do seu país. Não menos relevante, sua história pessoal confunde-se com a história cultural da nação, como se, com esta, o autor buscasse mostrar como era ser um escritor no (ou do) Paraguai, bem como, de que forma um artista podia formular uma poética que unisse o ético e o estético. Ainda que o romance e o conto sejam gêneros mais visíveis da produção do autor, sua poesia é ponto de partida de sua obra, além de visível nas entrelinhas de sua prosa. Em seu primeiro livro de poemas, em 1942, encontram-se poemas de características classicistas e modernistas, as quais logo seriam superadas dada a forte influência recebida de Hérib Campos Cervera e Josefina Plá. Cinco anos depois, finda a fase de experimentações que caracterizaram os movimentos de vanguarda de então, essa produção poética se aproximará da poesia espanhola e latino-americana do momento.
Na literatura paraguaia, ao contrário do que às vezes se afirma tão ligeiramente, não houve movimento literário ou poético de vanguarda no período das vanguardas históricas (entre 1909 e 1930, aproximadamente), tampouco depois deste. É verdade que notícias e publicações das novas correntes chegaram ao país. O primeiro manifesto futurista de Marinetti, por exemplo, é imediatamente publicado em jornal paraguaio. Também nessa época chegaram as principais revistas de vanguarda da Espanha. A geração e o grupo de 40, do Paraguai, coincidem exatamente com o seu contemporâneos da Espanha (Hernández, Panero, Vivanco, Blas de Otero) e Hispano-América (Vallejo, Neruda, Mastronardi, Octavio Paz, Vicente Barbieri) na estética pós-avant-garde.
Um poema da fase inicial? “La jaula de oro”: En esta cárcel de mi joven vida, donde cantando estoy porque mi llanto, la blanda soledad no turbe tanto, vivo soñando una ilusión perdida. Es una jaula de doradas rejas como esas que aprisionan la sonora inquietud del ruiseñor cuando a la aurora repite el canto de sus dulces quejas. ¡Cuántas veces también con ala herida, en vano intento de fugarse, mi alma en forzada quietud halló la calma…! Sólo a mi encierro acude a darme vida, cuando gimiendo estoy, con una mansa caricias de sus dedos, la Esperanza.
Em português: Nesta prisão da minha jovem vida, onde estou cantando por causa do meu choro, a solidão suave não perturba tanto, vivo sonhando uma ilusão perdida. É uma gaiola de barras de ouro como aquelas que aprisionam o som inquietante do rouxinol quando, ao amanhecer, repete a canção de suas doces queixas. Quantas vezes também com uma asa ferida, em vão tentativa de escapar, minha alma na imobilidade forçada ele encontrou a calma …! Só para o meu fim ele veio para me dar vida, quando estou gemendo com as mansas carícias de seus dedos, a Esperança.
Em 1989, após uma breve viagem a seu país, Roa Bastos ganhou o Prêmio Cervantes, consagrando-se como uma das figuras protagonistas da narrativa latino-americana na segunda metade do século XX. O autor faleceu de problemas cardíacos em 2005.