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O ‘ovo da serpente’ das emendas em Ribeirão Preto 

André Ali Mere *
andré[email protected]

No Brasil, escancara-se a corrosão do princípio de separação dos três poderes que rege a democracia moderna. Entre os muitos exemplos está o avanço do Legislativo sobre o orçamento do Executivo, com parlamentares apropriando-se de políticas públicas por meio de emendas impositivas. Apesar dos seus perversos efeitos na esfera federal, o modus operandi se alastra por estados e municípios. Nesse contexto, é essencial que a sociedade não permita que o ‘ovo da serpente’ choque em Ribeirão Preto. 

As emendas parlamentares têm destacada posição no rol de mazelas políticas. Até 2015, o Executivo quem decidia o que seria pago, utilizando-as como moeda de troca pela governabilidade. Desde então, sucessivas manobras legislativas viabilizaram o sequestro orçamentário mediante o pagamento obrigatório.  

 Não é pouco: em 2024, os parlamentares definiram o destino de um em cada quatro reais do orçamento livre da União. Foram R$ 45 bilhões direcionados, principalmente para a ampliação de redutos eleitorais. Excrescências, como as emendas Pix, permitem repasses sem planejamento prévio e transparência. Julgado inconstitucional pelo STF em 2022, o escândalo do orçamento secreto perpetua-se com outras roupagens. 

 O Congresso Nacional exportou, país adentro, esse roteiro para acessar a chave do cofre. Assembleias estaduais e câmaras municipais vem a impositividade das emendas mediante alterações nas Leis Orgânicas, apoderando-se de um percentual da receita do Executivo – obtida, ressalta-se, com impostos pagos pela população. 

 Amparam-se no astuto discurso de que o Legislativo teria maior efetividade em atender as demandas da população na alocação de recursos. Mas o que se verifica, na prática, é um danoso mecanismo clientelista para o endeusamento do parlamentar junto ao eleitorado às custas do dinheiro coletivo, promovendo ações pontuais feitas sob medida para garantir votos.  

 A taxa de renovação política, essencial na Democracia e necessária para a oxigenação dos poderes, cai drasticamente. Recursos que poderiam custear intervenções de infraestrutura de longo prazo, como na macrodrenagem para contenção de enchentes, são capturados para interesses particulares, midiáticos e imediatos. 

 Nos bastidores, há anos o orçamento impositivo é amplamente cobiçado pelo Legislativo ribeirão-pretano. Até o momento, nenhuma alteração prosperou. Mas o ‘ovo da serpente’ está lá, bem acomodado, aguardando o melhor momento para eclodir.

Considerando o objetivo de ampliar a participação popular, deve-se promover um orçamento efetivamente participativo, com as peças orçamentárias (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual) sendo objeto de audiências públicas junto aos diferentes territórios e setores socioeconômicos para incorporação das sugestões. Um movimento democrático, sem personalismo. 

 Os vereadores têm o essencial papel de fiscalizar o Executivo e aprimorar as políticas públicas. A sociedade civil organizada estará de prontidão caso o ardiloso canto da sereia das emendas tente desvirtuá-los desta nobre missão.

* Assinam conjuntamente com o autor Instituto Ribeirão 2030, Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto, Centro das Indústrias do Estado de SP, Associação das empresas de Serviços Contábeis de SP, Sindicato do Comércio Varejista de RP e Câmara dos Dirigentes Lojistas 

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