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O outro é muito difícil

Renato Nalini * 
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A regra de ouro da civilização ocidental é o “amai ao próximo como a si mesmo”. A afirmação não é de um cristão, mas de Chaïm Perelman, pensador belga israelita. Não se negue que o Cristianismo trouxe essa notável contribuição para a civilização humana, sem fronteiras, nem ideologias. Se todos são filhos do Criador e, portanto, irmãos do Cristo, não há como negar a dignidade humana de todos os seres racionais. 
Mas entre a teoria e a prática há um fosso aparentemente intransponível. Gustavo Corção, um pensador hoje esquecido mas que voltará à moda – (quem viver verá…) – dizia que “o outro é difícil. O mundo, então, inventou diversas táticas para o evitar, com os nomes sonoros de filantropia, humanitarismo e solidariedade. Foi proposta uma fraternidade sob a singular condição de não se falar em paternidade, ficando assim aquele conceito abastardado e vazio. E, em lugar da festa prometida, do palácio de um rei que promete voltar, o mundo inventou a festa do fazer, a triste vindima do suor, a música dos martelos”. 
O que ele quer dizer? Os discursos são fáceis de serem pronunciados. As promessas vãs se confirmam falaciosas, assim que se cobra o cumprimento delas. A humanidade se refugia na ilusão da atividade febril, da ocupação que não deixa tempo para pensar. Pois, se houver esse tempo, defrontar-se-á com a terrível verdade: ao final de tudo, está a morte. O homem é muito orgulhoso para se reconhecer finito. Então ele baniu de suas preocupações o único encontro definitivo e inescusável. Algumas décadas e ele deixa de existir.  
As proclamações melífluas a respeito do semelhante não equivalem a uma conduta egocêntrica e excludente. Pois “o próximo é deveras intolerável. Sua espessa concretude, seu rosto, seus músculos, seu bigode, nos impelem a derivar nossos bons sentimentos para coisas mais puras e elevadas. Voltamo-nos para a espécie humana, para ideais e causas sagradas. É mais fácil dedicar horas de interesse pelos longínquos oprimidos da Polônia, pelas crianças desnutridas da Grécia. É mais fácil querer bem à humanidade em peso do que ao vizinho… É mais amplo, mais generoso, falar num microfone virado para o porvir, atirando palavras para um bilhão de ouvidos que ainda não nasceram, do que entrar num quarto de hospital cheirando a remédio e a suor”. 
Há quem amorteça a consciência fazendo filantropia. Contribuindo ao longe, sem chegar fisicamente ao semelhante, paradoxalmente também chamado “próximo”. Mas isso nos satisfaz? 
Não. Continuamos “pobres do outro; como se o sangue das veias não nos bastasse e fosse urgente trocá-lo, numa transfusão quente e viva, de coração para coração. Precisamos do outro, para o fazer comum, a obra, sem dúvida alguma; mas muito mais para o uso comum da palavra e do trigo. Precisamos do outro, para construir cidades e para ouvir um CD. Para ler livros escritos, e para ter leitores dos livros que escrevemos. Para tudo e para nada. Para andar no mesmo caminho, à toa; para estar ao nosso lado em silêncio. Pelo calor da proximidade, pelo conforto da compreensão. Precisamos da esmola do outro; da esmola viva, dele mesmo, como é, outro e próximo”. 
Não se aperceber disso faz com que milhões de pessoas cultivem neuroses, traumas, depressões, estresse e esse difuso mal-estar que contamina a nossa era. Mas haverá interesse em assumir essa verdade?  
 
Reitor da Uniregistral, docente universitário, desembargador, presidente da Academia Paulista de letras e autor de “Ética Geral e Profissional”  

 

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