A música de Cartola me atiça a vontade de tê-lo conhecido, de lhe ter em minha presença, como se com isso, eu passasse a viver uma paz quase que absoluta. Essa é a visão que faço de quem foi Cartola – alguém que, não sei por qual maneira, inspirava paz e confiança em, senão todos, quase todos à sua volta.
As músicas de Cartola tocam profundamente a alma de muitas pessoas. São letras, acordes, arranjos, harmonias e dissonâncias belíssimas, pulsantes, simples, estupendas e emocionantes.
A poesia de Cartola diz-se por si só. Ao analisar o documentário de Lírio Ferreira, Mwewa concluiu que Cartola foi uma pessoa essencial para a construção do samba como um estilo cultural. Segundo Mwewa:
(…) Cartola se torna um mediador entre as pessoas do seu entorno e o samba, a partir de uma relação intersubjetiva. Ou seja, Cartola se torna uma peça fundamental na relação que as pessoas do seu contexto estabeleciam com o samba. Claro está que não sugiro aqui que, se Cartola não existisse, as pessoas que o cercava não teriam estabelecido uma relação frutífera com o contexto do samba. Não! Mas, seguramente seriam outras pessoas. Não digo isso, mas sim que, da forma como se apresenta o documentário, Cartola exerce um papel fundamental para os seus amigos em relação ao samba. E esse papel, de alguma forma, é que nos revela o Cartola que é conhecido.
A melhor maneira de entendermos as composições de Cartola é através da leitura do que o próprio compositor escreveu sobre suas músicas e sua arte de compor: “Minha música é uma coisa muito séria. Eu componho devagar para trabalhar bastante cada composição. Eu não fabrico sambas. Se alguém quiser cantar minha música, é só porque sentiu o que eu quis dizer, não porque fiquei insistindo. Se eu peço, o sujeito pode até cantar, mas sai tudo errado, e acaba estragando tudo. Não me interesso em fazer uma coisa que o povo saia cantando, mas que ele sinta minha obra. Faço música para você guardar dentro de si, eternamente, no seu coração e não apenas na sua coleção de discos. (Cartola citado por Nogueira, 2005, p. 122).
Há uma grande polêmica sobre a composição de “O mundo é um moinho” que Cartola compôs para sua filha adotiva, a cantora já falecida Creusa Cartola (Creusa Francisca dos Santos). Porém, de acordo com relatos anteriores, teria sido composta para a filha prostituta do compositor. Mas, segundo relato da filha mais velha de Creusa, Irinéa dos Santos, Cartola compôs essa música baseado em sua passagem pela adolescência, e com a curiosidade normal de uma púbere de 16 anos por namoros. O compositor então expressou sua preocupação como qualquer pai em relação a uma menina adolescente, e resolveu assim fazê-lo através desta composição, que é uma das mais importantes. Quanto a história de que Cartola teria feito a música para uma filha prostituta, posso afirmar que não passa de lenda, pois Cartola era estéril e jamais teve filhos com suas companheiras. A música “O mundo é um moinho” foi gravada em 1976 e teve diversas regravações, desde Nelson Gonçalves até Cazuza.
Salve o mestre Cartola, salve o samba brasileiro!