Renato Lúcio de Toledo Lima *
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A muito comum expressão “no meu tempo” carrega imperfeições que extrapolam a mera imprecisão semântica. Em geral utilizada como antecedente a uma fala saudosa de outros costumes, ou de uma passagem autobiográfica gloriosa, a expressão despreza a fácil constatação de que o tempo não é meu, nem seu, nem de ninguém. Há até quem diga, como Simone de Beauvoir, que o tempo é irrealizável.
Ainda que se admita alguma relação de pertencimento com o tempo – tão indomável, aliás – o principal equívoco da expressão permanece: olvidar o presente. Ao usarmos “no meu tempo” esquecemos que estamos proferindo essas palavras exatamente porque estamos presentes. O tempo de quem fala não é apenas o que já passou, mas todo o tempo que sua existência acompanha. Pode-se até supor que o único tempo que talvez nos pertença é o presente, quando podemos efetivamente agir, interferir.
Mas essa expressão não se tornou tão corriqueira por obra do acaso. O saudosismo é parte indissociável da alma humana. Tendemos sempre a reputar melhor os acontecimentos idos, e melhor ainda os de nossa infância.
No início de cada existência, estamos a aprender o que é o mundo à nossa volta, como ele é, como se organiza. Nosso pensamento sedento de informações e padronizações absorve com sabor de primeiro chocolate tudo que nos é apresentado. E, naturalmente, atribuímos a tudo que aprendemos um valor de estandarte e bússola para o resto da vida. É o que eterniza nossos valores.
Essas peculiaridades de nossa alma, de entalhar na infância os moldes em que tentaremos enquadrar a realidade por toda a vida, é que nos levam a dizer “no meu tempo” de esquadro na mão.
As ideologias políticas não destoam dessa paleta. Por isso o movimento é pendular, a ponto de causar perplexidade essa alternância ritmada. A geração formada sob a influência de uma tal ideologia tende a valorizá-la e tomá-la por correta, simplesmente porque condiz com o mundo que lhe foi apresentado na infância – e nos apresentam as coisas com ares de perenidade, como se as coisas fossem ficar daquele jeito para sempre.
Enquanto uma geração busca, tendo a seu redor circunstâncias ideológicas diferentes, resgatar a ideologia de sua infância, outras infâncias estão acontecendo, formando-se a geração que tentará restaurar o que a outra combateu. O pêndulo marca o tempo, que não é de ninguém, afinal.
* Advogado do escritório Fernando Corrêa da Silva Sociedade de Advogados – OAB/SP nº 210.24