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O martelo, o prego, a noite e a surpresa

Na minha infância em uma cidadezinha pequena, após a Missa das 19 horas só permaneciam nas ruas latas de lixo e cachorros, com exceção para um boteco armazém, em frente à Praça da Matriz, onde os adultos encostados no balcão, bebericavam, proseavam contando causos e lançando desafios.

Um destes desafios encontra-se arquivado nos anais da história do Vilarejo em um livro, guardado a sete chaves, narrado pelo Mon­senhor Mancoso, entregue ao Capelão Duartino Procissão, para sua guarda e proteção.

Um certo Joselino Epaminondas das Graças, morador da cor­rutela, amante da cachaça e da tagarelice, desfilava e destilava sua valentia, contando seus arroubos e realizações, orgulhando-se de sua bravura e destemor.

Na mesma hora surgiu o desafio, como comprovação de sua coragem e arrojo, foi proposta a instigação pelo matuto e solerte, Durval Leiteiro, único possuidor de um legítimo fusca 1957, cor laranja, que durante o dia era capaz de cegar, com o reflexo do sol batendo na sua lataria.
Bem, vamos ao estímulo.

Foi solicitado ao Antônio Muleta, proprietário da Venda, um prego grande e um martelo, o artefato foi marcado com um esmalte vermelho, cedido pela Dona Mena, que assistia com a boca aberta e os olhos vidrados, “Sua vida me pertence”, estrelada por Walter Foster e Vida Alves, em um televisor ABC, “A voz de ouro” branco e preto, com pezinhos.

Senhor Antônio foi ungido com o triste apelido adquirido após um terrível acidente, advindo de um coice de mula, que o fez engrossar a fila dos IAPAs, IAPETCs, IAPCs, IAPIs, como se cha­mavam as dolorosas e incompetentes previdências da época, hoje, agregadas neste flagelo eterno, denominado INSS.

Realizados os acertos e tratativas, Joselino seria encaminhado juntamente com as testemunhas, Durval leiteiro, Inácio Barbeiro e Tião da Sela, até ao cemitério, onde deveria pular o portão prin­cipal, caminhar pela longa alameda, até o final, cravando no muro branco a tacha marcada em vermelho.

Joselino mesmo ressabiado não teve dúvidas, colocou o martelo e o prego no bolso do antigo paletó e foi cumprir o acordado, exatamente com as doze badaladas, registradas pelos sinos na calada da noite.

O tempo foi passando, um silêncio de tumbas e catacumbas, as capelas dos coronéis e suas gerações, com os túmulos suntuosos e as esculturas sacras, demonstrando mesmo na morte a diferença entre o jazigo e a cova rasa.

E nada do desafiante, meia hora, uma hora, os três apreensivos, transpirando mesmo no frio e orvalho da noite, quando Durval Leiteiro, morto de sono, tendo que ordenhar às quatro da matina, vaticinou: Joselino é um gozador, a esta hora já está em casa, esca­pando pelo portão lateral e zombando de nós.

O dia amanhecendo no Vilarejo, sem Rádio Amador, Celular, Instagram, Facebook ou Zap, já corria o e-mail da língua entre os habitantes com a pergunta: Onde está o Joselino?

Dito Coveiro, chegando para o seu labor e sua lida com as almas, deparou com uma cena Dantesca, Joselino caído, com os olhos esbugalhados, rosto em pânico, medonho como a risada de Belzebu, soltando fogo pelas ventas.

Ao lado junto ao corpo, o martelo, no muro o prego e um pedaço de pano arrancado do capote e preso a ele.

Com a pressa, o medo e as pernas bambas, só pensava em cumprir a missão e desaparecer o mais rápido possível da encrenca em que se metera.

Joselino pegou o prego no bolso, as mãos trêmulas, fincou na parede e na tremenda escuridão, se voltou nos calcanhares, ocorre que o paletó surrado foi pregado e aprisionado na parede o que lhe deu a sensação que alguém o segurava.

Bateu as botas na hora.

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