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O maior título de Vinicius Jr.

Até os que não gostam de futebol passaram a conhecer Vinicius José Paixão de Oliveira Júnior ou Vini Jr., um homem negro de 22 anos de idade, nascido em São Gonçalo, município do Rio de Janeiro e que desde seus seis anos está no mundo do esporte. Semelhante ao que ocorre com a maioria dos brasileiros periféricos, teve uma traje­tória de grandes dificuldades e quando chegou à equipe profissional do Flamengo foi menosprezado por muitos, apesar de ser campeão da américa, jogando pelas seleções brasileiras sub-15 e sub-17.

Aos 18 anos Vini Jr. teve seu passe vendido para o Real Madrid por 45 milhões de euros. A chegada na Europa foi marcada por muita desconfiança, mas quando se adaptou ao estilo do velho continente, passou a colecionar títulos. Foram: 1 Champions League (marcando o gol da vitória na final); 2 Mundiais da Fifa; 1 UEFA Super Cup; 2 Campeonatos Espanhóis; 1 Taça da Espanha e 2 Super Taças da Espa­nha. Autor de lindos gols, assistências primorosas e jogadas magistrais, atualmente tem um salário de 10,5 milhões de euros por ano e dis­putou a última Copa do Mundo. Em menos de cinco anos no maior time do mundo, realizava precocemente quase todos os seus sonhos, porém, o pesadelo do racismo está presente em seu cotidiano.

Por várias razões, inclusive medo de perder seus contratos, ao longo da história, inúmeros atletas que jogaram na Europa aceitaram as agressões racistas, entre os quais os brasileiros: Hulk, Taison, Dentinho, Daniel Alves, Neymar e Roberto Carlos. Por outro lado, em diversas modalidades alguns arriscaram tudo, mas confrontaram seus algozes. Em uma lista rápida podemos desta­car: Lilian Thuram (futebol); Jesse Owens, Tommie Smith, John Carlos e Aida dos Santos (atletismo); Lewis Hamilton (automobi­lismo); Muhammad Ali (boxe); Serena Williams (tênis); LeBron James (basquete); Formiga (futebol feminino); Colin Kaepernick (futebol americano). Agora é a vez de Vinicius Jr., que assume sua negritude e se contrapõe aos que praticam o racismo e aos que exercem a omissão e a conivência racista.

A luta contra o racismo é mundial e permanente, mas precisa­mos urgentemente discutir e implantar estratégias de enfrentamento capazes de abalar as raízes do problema. Como ensinou a filósofa Angela Davis: “Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É necessário ser antirracista.” Então, qual será nossa postura a partir de agora? O que faremos além da indignação ou uma postagem na internet? Quais as atitudes concretas contra o racismo em nosso cotidiano? Vamos esperar eclodir outro caso para nos movimentar?

O conhecimento é o primeiro passo, assim é fundamental ter consciência da existência do chamado racismo estrutural que pode não ser perceptível, já que está cristalizado na cultura da sociedade. Por vezes, nem parece que é racismo, principalmente para quem o comete. Seja nas brincadeiras, nas piadas ou nos comentários “inocentes”, seja na exclusão na política, nos postos de liderança, no mercado de trabalho ou nas universidades.

Na sua origem as teorias racistas propagaram que apenas os brancos seriam capazes de possuir a terra, governar e prosperar enquanto indígenas e negros serviam apenas para o trabalho braçal. Para fundamentar isso, propagava-se que sequer tinham almas e eram comparados a animais. É justamente o que muitos fazem nos estádios ao gritar, xingar ou comparar atletas negros a macacos ou em zombar de determinadas características físicas. Enquanto chicotes açoitam os corpos, as falas e atos racistas esma­gam a dignidade humana e ambos possuem efeitos devastadores.

É obvio que se transformar na principal bandeira esporti­va na luta contra o racismo do momento tem seu preço, mas parece que além de grande atleta, Vini Jr. se monstra um grande homem, capaz de não se calar, erguer a cabeça e enfrentar o sistema. Provavelmente será o maior título de sua carreira.

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