Veja no que se transformou a Lava-jato. Já sabíamos muita coisa sobre as conversas nada republicanas entre o então juiz Sérgio Moro e os procuradores da operação em Curitiba. Elas foram reveladas pelo IntercepBrasil em 2019. Já nos causavam calafrios. Mas depois da operação Spoofing, em que a Polícia Federal pôs a mão nos hackers que invadiram celulares de várias autoridades, aquelas conversas ficaram pairando como uma bomba sobre os defensores ardorosos do lavajatismo. Tinha sido revelada uma pequena parte das conversas. O pior estava por vir.
O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, a pedido dos advogados do ex-presidente Lula, retirou o sigilo de conversas obtidas naquela operação, o que tornou público um documento de 50 páginas de mensagens sobre o ex-presidente, na integra, entre Dellagnol e a sua turma e o agora ex-juiz federal. O que veio à tona agora é uma verdadeira esbórnia. Para os desmemoriados, é bom lembrar que Dellagnol figurava até recentemente como candidatíssimo a ministro do STF na vaga que Bolsonaro queria reservar aos evangélicos.
O conteúdo dos diálogos é de estarrecer qualquer estudante de Direito, ao demonstrar como valores essenciais da democracia constitucional e de práticas de qualquer sistema de Justiça do mundo civilizado não foram minimamente respeitados. O que se vê nas mensagens pode ser classificado como escândalo: ao longo de todo o processo, o juiz “combinava o jogo” com o Ministério Público, oferecia informações detalhadas e orientação estratégica de como os procuradores deveriam agir, ajustava e coordenava as decisões. Acusador e julgador em perfeito conluio. Eram, praticamente, a mesma pessoa.
Dentre os muitos absurdos, Moro pede a Dallagnol que interceda para que as defesas de delatores desistam de ouvir testemunhas, preocupado em proteger o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, e comemorando quando a denúncia contra Lula foi protocolada. A sem-vergonhice chega ao ápice quando Dallagnol anuncia aos seus colegas, em determinada troca de mensagens, que Moro condenaria Lula no processo. Assim, ele revela que sabia antecipadamente qual seria a sentença do juiz. É uma afronta às regras básicas do processo legal, aos mínimos valores do Judiciário e da Democracia.
Não dá mais para ter o mínimo de respeito a este câncer que se transformou a Lava-jato, especialmente no que se refere aos aspectos processuais em torno das acusações ao ex-presidente Lula. E concordo com Pedro Serrano, jurista e professor de Direito Constitucional, em seu artigo recente na Carta Capital: “Há muito afirmamos que as ações penais contra Lula eram fraude e, mais que isso, uma medida de exceção – processos com um invólucro, uma maquiagem de ato jurídico e democrático de cumprimento da Constituição e das leis, mas cujo conteúdo material se mostrou, agora de forma descarada, uma ação política de persecução a um inimigo”.
Dellagnol e o ex-juiz fizeram de tudo para impedir a divulgação das mensagens. Chegaram a recorrer da decisão de Lewandowski. Por que será? Porque elas corroboram a tese de que o processo do caso do tríplex não teve um juiz, mas dois acusadores, totalmente articulados com a finalidade não de apurar a verdade e julgar o réu, mas de condená-lo, dando a aparência de imparcialidade, que nunca houve, à opinião pública. Diante das novas mensagens da Vasa Jato, manter Lula condenado é uma barbárie. “Caso não anule os processos, o STF chancelará todos os abusos cometidos”, conclui Pedro Serrano.
“A polícia tem acesso a dados, o Ministério Público tem acesso a dados, o juiz tem acesso aos dados e a defesa não tem acesso aos dados? Mas isso não é direito fundamental assegurado?”, questionou ironicamente a ministra Carmen Lúcia durante o julgamento. Pois que Lula e seus advogados façam bom uso desses dados. Pois até o direito de defesa os procuradores e o ex-juiz queriam sabotar ao ex-presidente. Estamos diante do maior escândalo do Judiciário em nosso país e da maior afronta à Democracia Constitucional tão duramente conquistada pelo nosso povo. Sem falar que a Lava-jato foi um dos ovos da serpente que pariu a monstruosidade política com que somos obrigados a conviver hoje.