Famílias precisam encontrar novas maneiras de elaborar a dor da morte amplificada pela ausência do corpo
A família é a instituição humana mais antiga. Segundo o sociólogo Pierre Bordieu, “ela é um conjunto de indivíduos aparentados, ligados entre si por aliança, casamento, filiação, ou, excepcionalmente por adoção (parentesco), vivendo sob um mesmo teto (coabitação)”.
Um fenômeno que atinge a todas as famílias, independentemente da classe social, localidade ou religião é a morte. Talvez ela seja o fator universal compartilhado por todos os indivíduos do mundo e a única certeza que todos temos.
Antigamente o momento do óbito acontecia no seio familiar. Cada cultura possuía seus rituais que antecediam os momentos finais da pessoa até o ato de preparar o corpo e velá-lo. A partir da década de 1960, com o progresso da medicina, a morte foi terceirizada e transferida da casa para o hospital.
A morte é um ato ritualizado. O próprio funeral funciona como um rito de passagem que ajuda a família a aceitar o ocorrido. Os velórios, funerais e outros acontecimentos relacionados com a morte servem para contextualizar a experiência do luto. Portanto, a universalidade das manifestações humanas diante da morte existe para atender às necessidades psicológica e social de dar um enquadramento e uma previsibilidade à perda.
Esse tema é de grande relevância no momento, em que por conta da pandemia causada pelo novo coronavírus as famílias se viram impedidas de se despedirem de seus mortos. E essa impossibilidade pode acarretar em danos indeléveis.
O investimento e a dedicação presentes nos rituais costumam ajudar o indivíduo a confrontar-se com a perda concreta, entrando no processo de luto. Sem isso, as pessoas podem não elaborar o luto e ter impactos emocionais persistentes. Estudos apontam que algumas das depressões mais refratárias e difíceis de curar acontecem por causa de um luto mal vivenciado, mal elaborado, interrompido ou não reconhecido.
O momento ainda é tenso, sem grandes expectativas do fim da pandemia e as mortes solitárias persistem. Assim como acontece nos países assolados por guerras, em que as pessoas precisam se adaptar às limitações impostas, devemos também buscar por alternativas para esse nosso novo normal. Por mais difícil que seja, é chegada a hora de ressignificar o luto.