Rosemary Conceição dos Santos*
Demetrio Aguilera Malta (1909-1981) foi um escritor, diretor, pintor e diplomata equatoriano filho de família abastada. O pai, industrial e fazendeiro, herdando uma biblioteca relevante do bisavô materno, então dramaturgo, a Demétrio ensinou o amor pela leitura, iniciando, ainda jovem, nas obras dessa biblioteca. Educado em casa por sua mãe e tutores, o autor viveu sua infância na fazenda de sua família, tendo por professores posteriores renomados nomes da literatura da época. Universitário, estudou literatura, logo se tornando subsecretário de Educação e encarregado de negócios da Embaixada do Equador no Chile em 1947, sob o governo de Carlos Julio Arosemena Tola. Posteriormente, já Adido Cultural no Brasil, em 1949, e Embaixador do Equador no México, de agosto de 1979 até sua morte em 1981, Demétrio ministrou conferências e cursos em diversas universidades da América do Norte e do Sul, incluindo Claremont Colleges e a Universidade da Califórnia, Irvine.
Correspondente de guerra durante a Guerra Civil Espanhola, o autor trabalhou nos jornais La Prensa e El Telégrafo, em Guayaquil, também colaborando com os jornais panamianos El Diario de Panamá , El Gráfico e La Estrella de Panamá. Membro do Grupo Guayaquil, na década de 1930, utilizou o realismo social em seus escritos, bem como, o realismo mágico em sua obra-prima “Siete lunas y siete serpientes” (1970), traduzida para o inglês como “Seven Serpents and Seven Moons” por Gregory Rabassa, em 1979. Aguilera Malta é considerado um dos mais importantes escritores equatorianos. Membro fundador da Casa de la Cultura ( Casa da Cultura Equatoriana ) e do Grupo Guayaquil (junto com seu melhor amigo Joaquín Gallegos Lara ), da Comunidade Iberoamericana de Escritores, e da Casa Latino-Americana de Cultura, teve seus livros publicados em todo o mundo e traduzidos para vários idiomas. Portador de diabetes e cegueira, desde o início dos anos oitenta, seu falecimento deveu-se a uma hemorragia cerebral após uma queda.
De acordo com especialistas, “Siete lunas y siete serpientes” conta a história de um povoado chamado Santorontón e principalmente de alguns de seus habitantes, que debaterão sobre dois lados, o dos “bons”, liderados pelo Padre Cándido, um velho padre que conversa com os Queimados de Cristo, que desce da cruz cada vez que debate com ele vários temas, e o dos “bandidos” representados por Crisóstomo Chalena, o rico proprietário de terras da cidade que fez um pacto com o diabo, um homem sem escrúpulos. e que ele é capaz de manter todo o povo escravizado para atingir seus miseráveis objetivos. O título tem sua explicação no primeiro capítulo, e corresponde a uma espécie de fábula sexual que nos remete à história dos Tin-Tines. Neste capítulo, Demetrio Aguilera Malta conta-nos a luta entre dois Tin-Tines, uma espécie de duende que vêm perturbar o sono de Dominga, filha do feiticeiro Bulu-Bulu. Dominga não consegue se livrar dessas presenças noturnas pois se vê “alunada”: condenada por sete noites a ser visitada pela cobra. Seu pai vê o casamento como o único remédio para seu tormento, porque “só um homem pode tirar as luas e as cobras”. A visita de Candelário pedindo-lhe conselhos para se libertar da maldição que o atormenta também lhe permitirá resolver a maldição que perturba a sua filha Dominga.
O mundo animal, muito presente ao longo do romance, adquire um fator simbólico crucial, uma vez que os animais passam a representar os instintos do homem. Por exemplo, Chalena, o homem que rouba toda a água da cidade, é capaz de se transformar em sapo, e Candelario, pode virar jacaré, algo que ele faz toda vez que quer estuprar uma mulher ou cometer um de seus delitos. As cobras fazem parte desse bestiário peculiar e, neste caso, atuam como um símbolo fálico, e os macacos, por sua vez, tornam-se aliados dos homens “bons” ou, em outras palavras, são os mais “humanizados” do ponto de vista de vista do bem. O tigre é apresentado como um animal mágico e protetor, que encarna o feiticeiro Bulu-Bulu, que decide sacrificar um tigre para que o casamento de sua filha com Candelário seja abençoado com a força do animal e lhe permita lutar contra a cobra que a visita.
Toda a ação da obra acontece poucos dias antes dos preparativos para o casamento de Candelário. A oposição de toda a cidade é um dos elementos que geram interesse na história, principalmente a rejeição do Padre Cándido, padrinho de Candelário, que terá conversas muito interessantes com o Cristo Queimado. Há um pano de fundo de simbologia cristã que é mais do que evidente e palpável no romance e que, ao contrário do que se possa pensar, especialmente por aqueles que são mais reticentes em relação aos temas religiosos, aumenta o interesse da narrativa, uma vez que tem a originalidade de fazê-lo desde uma perspectiva “mágica” e não “milagrosa”, a tal ponto que o Cristo Queimado é uma estátua de madeira que desce da cruz e se encarna cada vez que quer falar com o Padre Cándido. Logicamente, Cristo tentará ao longo da novela convencer Padre Cândido a perdoar seu afilhado e poder reconduzi-lo ao caminho do bem.
Dentre as obras do autor, destacam-se os seguintes romances: “Dom Goyo” (1933); “Zona do Canal” (1935), “La isla virgen” ( 1942), “Uma cruz na serra Maestra” (1960), “La caballeresa del sol” (1964), “El Quijote de El Dorado” (1964), “Un nuevo mar para el Rey” (1965), “El secuestro del general” (1973) e “Réquimen para o Diabo” (1978). O autor também escreveu peças teatrais e outros textos.
Professora Universitária*