Feres Sabino *
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O então governador Leonel Brizola sempre dizia que o Rio de Janeiro não produzia armas e nem drogas. Elas entravam pelas fronteiras e pelo mar, cuja responsabilidade era das Forças Armadas. É dele também a ordem para que a polícia militar, nas favelas, tratasse o pobre como tratavam os ricos, ou seja, invasão da casa só com mandado judicial.
Só em 6 de novembro de 2023, com duração até 3 de maio 2024, o Presidente Lula autorizou operação coordenadas das três armas, com 3.700 militares para fiscalizar e vigiar portos e aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo, Santos, Guarulhos e Galeão, e Lago de Itaipu. Anunciou também a criação de um comitê de ações integradas da segurança pública.
Felizmente, Aeronáutica, Exército e Marinha passaram a atuar em ações de combate à criminalidade nesses locais. Os ministros da Justiça, e o da Defesa, apresentarão plano de modernização de atuação da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Penal, Exército, Aeronáutica e Marinha, visando melhorar a atuação em portos, aeroportos e fronteiras.
Depois de tanto tempo se lê uma providência efetiva, em termos de segurança pública, apesar do curto prazo de sua duração. Mas, honestamente, serve de ponto de referência para um avanço maior, como é necessário que aconteça
Não há dúvida mais de que o Rio de Janeiro, a Cidade Maravilhosa do Brasil, está há muito tempo assaltado pela bandidagem. Há bairros inteiros submetidos à violência de milícias, que exigem taxas da população sobre o consumo do gás, do transporte, do funcionamento do comércio, de loteamentos clandestinos e construções de prédios que desmoronam, e que foram construídos por conta de “rachadinhas” de políticos corruptos. É uma vergonha nacional.
Muitos governadores não resistiram ao assédio permanente do dinheiro fácil e foram cassados, quando houve confluência de interesses, entre a parte boa e a parte podre deles.
De qualquer forma, a bandidagem tem representante em muitos escalões do Estado, como revela a investigação da morte da vereadora Marielle e seu motorista, investigação boicotada, frustrada, e recuperada em seu rumo pela Polícia Federal. Mas durante anos, houve troca de delegados, troca de promotores, contratação de advogado e investigadores para desviarem a investigação.
O Rio de Janeiro é uma cidade que reúne em seu território guarnições significativas das nossas Forças Armadas. Assim o Exército, assim a Marinha e assim a Aeronáutica. As três armas possuem seu setor de inteligência. Temos o setor de inteligência da Marinha, o setor de inteligência da Aeronáutica, o setor de inteligência do Exército. Creio ter cada uma um setor de polícia. Ainda temos a inteligência da polícia civil e a da militar.
Há exagero de inteligência desperdiçada. Por isso não é possível a bandidagem passar ao largo de uma, ao largo de outra, ao largo de outra, sem que seja percebida por nenhuma, ou que seja ignorada por todas, apesar da desfaçatez pública com que a bandidagem se apresenta. É justamente sobre o setor de inteligência que a Agência Pública veicula agora, em seu site o que nos envergonha, ainda mais: “A AGÊNCIA Pública descobriu que informes, relatórios e outros documentos de inteligência, produzidos pelos interventores militares, no Rio de Janeiro em 1018, não existem nos arquivos públicos, e que nem mesmo as autoridades parecem saber totalmente o que foi descoberto a época”. Fica a pergunta ainda sem resposta; “… o que os militares descobriram sobre esse crime (Marielle), sobre grupos milicianos e sobre outras facções criminosas que operam no estado?”.
Onde está realmente a inteligência de nossos setores civis e militares que não chegam a lugar algum nessa violência que pode ser equiparada a uma guerra civil oculta? Não é preciso dizer que necessitamos de militares e de suas instituições, fortes o suficiente, não para dar golpe nelas, mas para defender a democracia, a longa fronteiro seca do Brasil, nosso mar, nossos rios e florestas, nossa segurança.
Para isso procura-se um brasileiro, militar ou civil, competente, honesto, democrata e patriota, consciente, com grupo organizado, preparado ética, moral e tecnicamente para enfrentar efetivamente essa bandidagem, que ofende os principais elementares da convivência social, agride a legitimidade de nossas instituições, ofende a solidariedade federativa e a soberania nacional.
Tantos militares se dedicam tanto a combater o que não existe como o “comunismo”, aliás, já está até fora de moda, que a reaquisição da racionalidade, somada ao aprofundamento da realidade local e nacional, poderia dar um sentido de força à democracia, que tantos ameaçam, aproveitando-se dos direitos e vantagens que ela própria, democracia, lhes destinam.
E existe a prática do boicote da política de segurança pública, para desta vez, não dar ao Presidente Lula, hoje cercado politicamente pelo extrema-direita, o crédito de que sua política representa a racionalidade dos racionais e com sucesso.
O Rio de Janeiro oferece verdadeiro enigma, com a paralisação de instituições que dizem não ser delas a competência constitucional para tal atuação, quando a legitimidade de todas está sendo corroída, diariamente e há anos.
O Rio de Janeiro tem o mérito negativo, ou melhor, demérito histórico de ter exportado sua violência, até o centro do poder político brasileiro.
* Procurador-geral do Estado no governo de André Franco Montoro e membro da Academia Ribeirãopretana de Letras