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O delegado corintiano

Faz uns cinco anos que eu e minha primeira-dama decidimos des­frutarmos dos encantos do litoral norte. Em nossa opinião, não existe no Brasil praias mais encantadoras – junte-se à beleza daquela região o atendimento de primeira aos turistas. Quem vive do turismo pegou a manha e cobre o visitante de bons serviços. As praias entre Guarujá e Parati são belíssimas, o mar serve a todos os gostos, desde os surfistas até pra quem quer o remanso de carinhosas ondas.

Eu e minha primeira-dama montamos nosso porto seguro no centro de Caraguatatuba. Dali saíamos pra conhecer aquele paraíso paulista, uma praia mais linda do que a outra. A cada dia escolhíamos uma, mas o que pegava mesmo era encarar a estrada Rio-Santos. Quando íamos para o lado de Ubatuba, pra rodarmos dez quilômetros, gastávamos no mínimo duas horas, outras duas ou mais pra voltar.

Decidimos faz três anos ficarmos em Caraguá e desfrutarmos do que tínhamos ali no quintal da cidade. Após uma peregrinação por deze­nas de quiosques no sentido da Ilha Bela, elegemos o Quiosque 33 “La Belle” como aquele em que passaríamos nossa temporada à beira-mar. Logo ficamos amigos dos proprietários e dos jovens atendentes que nos cobriam de atenção o tempo todo.

Banheiros limpíssimos com gente cuidando o tempo todo, cozinha impecável e aquele cardápio praiano de dar água na boca – saboreáva­mos um maravilhoso peixe frito todos os dias. Dezenas de frondosas árvores sete copas nos presenteiam com generosas sombras, e como che­gávamos antes de quem gosta de dormir um pouco mais, eu armava meu boteco sob o frescor de uma delas, que o dia todo me protegia daquele sol de final de dezembro, além de ter uma visão privilegiada.

E lá estava eu encharcando o verbo com uma puro malte – e como disse Vinicius de Morais em sua “Tarde em Itapuã”, “olhando aquele mar que não tem tamanho” –, degustando um jiló cru fatiado fininho com aquele tempero à base de shoyu, Lemon Pepper, alho, azeite, limão e ca­rinho – carinho é o melhor do tempero –, quando vejo à distância uma figura caminhando por onde as ondas morrem e começa a areia.

Era um andar familiar, passos firmes e cadenciados, e na hora me veio a imagem do querido amigo Dr. Sérgio Siqueira, delegado de polícia aposentado, quando na ativa era o terror da bandidagem e também “corintiano raiz”. Quando na ativa, só concedia entrevistas pra tevê se o distintivo do Timão aparecesse ao fundo. Levantei-me da cadeira de meu minúsculo boteco praiano, dei alguns passos e esperei o caminhan­te se aproximar e pude perceber que não era meu amigo, mas isso me fez lembrar um causo dele.

Olha só essa história: a filha de meu irmão Rubão, cuja família é toda são-paulina, e o filho do Dr. Siqueira namoravam e ficaram grávidos. Alegria geral, meu irmão e o Dr. Siqueira iam ser avós, o casal já morava junto, os meses passando e quando o bebê estava pra chegar Rubão recebe a visita do Dr. Siqueira. Eram amigos das antigas, e Siqueira chegou lá com seu temido camburão – até vejo seu jeitão chegando no pedaço, distintivo no peito, sorriso aberto.. E foi logo dizendo a que veio: “Rubão, como você sabe, na minha casa somos todos corintianos e na sua todos são são-paulinos. Vim te propor um acordo: vocês escolhem o nome do menino, mas o time nós escolhemos, fechado?”

Meu irmão se refez da surpresa e contra-atacou: “Mas, Serjão, e se quando ele crescer decidir mudar de time?” O xerife durão sentiu balan­çar suas estruturas mas mandou ver. “Olha, Rubão, tudo que lembra o Corinthians está esperando por ele, seu quarto, berço, lençóis, enfeites, mamadeira, até a lembrancinha para as visitas é uma minúscula camisi­nha do timão”.

Pois bem, acordo selado, nasceu o corintiano Gabriel. Anos depois, com o São Paulo ganhando tudo, ele sutilmente tentava agradar os dois lados, mas os tios jogaram um sambarilove na cabeça do garoto que ficou na dúvida. O pai sacou, e foi até a casa do Rubão, reuniu-se com todos lembrando-os do acordo e passaram a régua. Gabriel, hoje, um jovem maravilhoso, está com 17 anos, mora na Austrália e o Corinthians tem por lá um legítimo “corintiano raiz”…

Sexta conto mais…

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