Tribuna Ribeirão
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O coreto, a sinfonia e a saudade

Edwaldo Arantes *
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Em noites de mistérios, penumbras, medos e silêncios atordoantes, lembranças saltam envoltas em névoas de melancolias e nostalgias, me vejo em diversos e inúmeros, lugares e tempos; procissões, matinês, missas, igrejas, semanas santas, formaturas, bailes, amizades, natais, aniversários, namoros, enfim, todas as jornadas e etapas que nortearam  meus caminhos pelas trilhas da vida.

Fico pensando sobre uma aura que envolve Minas, suas montanhas, suas histórias e as incógnitas que regem sua existência.

As imagens nascidas dos sonhos de Antônio Francisco Lisboa, esculpindo seus profetas, estabelecidos em silêncio, anos e anos a fio zelando por todos em absoluta contemplação.

Congonhas e seus iluminados em “pedras Sabões”, onde se destaca a figura de Isaías abrindo com honra o tapete vermelho com olhar bíblico de outros tempos marcando as escadarias do Santuário do Bom Jesus de Matosinhos.

E lá está ele em absoluta serenidade fixando o infinito no alvorecer e no crepúsculo das montanhas.

A verdadeira expressão de um iluminado diante de uma visão constituindo-se em uma das mais importantes peças de todo o conjunto arquitetônico.

A série de profetas de Congonhas é uma das mais completas da iconografia cristã ocidental, além dos profetas maiores, figuram oito menores, tendo sido naturalmente selecionados, os primeiros na ordem do “cânon” bíblico.

A teologia cristã fixa em 16 o número ideal de profetas, que resulta da soma dos doze apóstolos e quatro evangelistas.

Na realidade meus pensamentos não estavam navegando apenas por Congonhas, profetas, momentos ou Isaías que considero parecido com o Apóstolo Paulo, meu preferido, mas também em Minas, especialmente São Sebastião do Paraíso onde os ipês maravilham nossos olhos e iluminam nossos corações pela formosura, graça e a vontade de levá-los ao menos nos olhares.

Falo de uma praça, das calças curtas, dos folguedos, dos lugares, em especial um coreto, onde tantas vezes brinquei dando voltas ao seu redor.

Era diferente, tudo se transforma apenas na saudade tudo permanece igual, naquele espaço circular dedicado à música, meu tio regia sua banda e seus músicos, hoje se chama: “Coreto Geraldo Borges Campos”, maestro Lalado, ao seu lado aprendi muitos ofícios, também um amor pela natureza, principalmente pelos canários belgas, sabiás, pintassilgos, coleirinhas, azulões, curiós, trinca-ferros e tantos mais que os criei em um tempo bom; nosso alfaiate, regente, tio e amigo chegou a ter dezenas deles, acordava cedo para ensaiar com seu saxofone, sua retidão, seu imenso talento; sentava-se no meio da varanda soprando as primeiras notas com maestria comandando uma sinfônica com os mais competentes músicos que um dia vi.

Um festival de assovios, trinados, chilreios e gorjeios, onde um sabiá laranjeira de nome Pixinguinha era o Spalla.

Hoje não crio mais canários, apenas vivo devaneios, tentando escrever sem sucesso ou alguma habilidade, onde surgem palavras que soam soltas em frases esparsas e desconexas, quase sempre tolhidas de algum sentido.

Minhas calças curtas cresceram, não corro mais em volta do coreto, não ouço mais nenhum instrumento, muito menos os acordes de um saxofone, suas notas e sua sinfonia, nunca mais avistei um sabiá, não existem nem lembranças deles.

Absorto, em conjecturas, afinal consegui entender duas definições da palavra “saudade”, nas divagações do caboclo matuto em suas cismas:

“Saudade é vontade de ver de novo”.

“Saudade é como um rato no queijo; rói, rói, rói e rói”.

* Agente Cultural 

 

 

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