Por meio do Departamento de Bioética temos recebido solicitações de modelos de fichas de consentimento esclarecido. Vale a pena discutir a respeito. Os pacientes perguntam se devem assinar o documento que busca esclarecer o procedimento operatório a ele proposto. O cirurgião quer saber se necessita ter um documento especial padronizado.
O consentimento esclarecido representa um importante avanço de reforço no respeito à autonomia da pessoa e na relação do médico com seu paciente. Visto sob esse aspecto não há o que se discutir. A polêmica aparece quando se analisa a forma de se obter e de se registrar.
Um consentimento obtido burocraticamente, com assinatura e testemunhas, torna-se mera figura cartorial, perde seu sentido maior e pode ser visto com desconfiança, piorando, ao invés de melhorar, a relação médico-paciente. Diferente disso é o consentimento (ou mesmo a recusa) que emerge de uma ampla e respeitosa análise entre as duas partes.
O assunto é complexo, principalmente nos tempos atuais em que o número crescente de profissionais do Direito tem levado a uma verdadeira “especialização” em “erros médicos” que, em grande parte das vezes, não são erros ou não são médicos. Visto sob esse prisma, que já propiciou o aparecimento da chamada “medicina defensiva”, parece importante ter um documento no qual o paciente informa ter sido esclarecido sobre os riscos do procedimento ao qual será submetido. Trata-se de visão apenas parcial da verdade.
O grande defensor do médico diante de um resultado inesperado (que não significa obrigatoriamente um erro) não é o documento, mas o próprio paciente e seus familiares. Ou seja, a grande defesa é a boa relação médico-paciente. Essa boa relação obviamente implica amplas conversas entre o operador e o operando, nas quais serão discutidos os diferentes tipos de riscos que podem ir desde um simples hematoma na ferida operatória até uma sépse grave. É muito difícil colocar todos os possíveis eventos inesperados em um documento, e mesmo que se consiga, a lista será tão grande que assustará o paciente, trazendo-lhe uma insegurança que não é boa companheira em um procedimento operatório.
Por outro lado, o aparecimento de um evento inesperado não colocado na lista poderá ser objeto de demanda, dentro do espírito burocrático que cercou o esclarecimento, gerando um documento cartorial. É com base nesse argumento que muitos cirurgiões tem trabalhado com um documento simplificado, documental ou apenas registrado no prontuário, no qual fica claro que o paciente foi esclarecido com relação ao procedimento a ser realizado e prevenido da existência de riscos, sem detalhes que busquem relacionar todos eles.
Ao não pretender fazer uma lista completa de possíveis complicações fica implícito que o objetivo se limita a orientar o paciente, dando a ele, sem imposição, a oportunidade de consentir ou não na realização do procedimento. O espírito a permear esses esclarecimentos deve ser de parceria e divisão de responsabilidades com todo respeito à autonomia do paciente e do próprio médico.
Outro aspecto a ser levantado é de que um consentimento esclarecido, mesmo que assinado e com testemunhas, não representa um argumento a justificar qualquer tipo de imperícia, imprudência ou negligência. O aparecimento de uma complicação, mesmo que citada como possível no documento de esclarecimento, será analisado com os dados existentes e, se houver culpa e nexo causal, a existência do documento servirá apenas para que não se alegue desconhecimento da possibilidade daquele resultado adverso, mas não justificará a culpa.
Vale também diferenciar consentimento de termo de consentimento. O primeiro não é necessariamente documental, podendo ser apenas verbal, sendo aconselhável seu registro no prontuário. Já o termo de consentimento é obrigatoriamente documental, sendo obrigatório seu uso em situações como as pesquisas envolvendo seres humanos, as amputações de membros, a esterilização, e outras condições específicas.
O consentimento não precisa, obrigatoriamente, seguir um modelo pré-formatado, pois cada caso tem características especiais, e que em hipótese alguma substitui uma boa relação médico-paciente.
Um consentimento não pode ser um frio documento dado ao paciente para assinar. Ele deve ser um conjunto de informações claras e objetivas, em linguagem que possa ser entendida e que seja minuciosamente explicado ao paciente, muitas vezes em mais de uma consulta. Não representa também um salvo-conduto para erros e desatenções. No entanto, quando bem utilizado tem sido útil no sentido de que o paciente saiba realmente a que vai ser submetido, os riscos e o potencial de complicações, tendo, então, em respeito à sua autonomia, o direito de optar por aceitar ou não o que lhe está sendo proposto.