Rosemary Conceição dos Santos*
Marcela Serrano (1951 – ), romancista chilena filha de mãe romancista e pai engenheiro e ensaísta, iniciou a escrita de sua literatura aos 38 anos e, recentemente, em 1994, aos 40, publicou seu primeiro romance, “Para que no me olvides”. Esta obra, que ganhou o Prêmio Literário de Santiago, traz a personagem Blanca, prestes a completar quarenta anos, na Santiago da transição para a democracia. Ela é uma fiel expoente do Chile intocado, que se confronta, através de suas cunhadas Sofia e Victoria, filha de um detento desaparecido, com o outro Chile, aquele que foi brutalmente ferido nos anos da ditadura. A infidelidade aparece como o ponto de viragem, a ruptura retumbante, que desmorona o seu mundo de aparente segurança, o momento em que Blanca se sente mais próxima de Deus. O universo profundo da mulher e as diferentes formas como o amor e a amizade irrompem para animá-lo são os eixos deste romance que emerge da pena de Marcela Serrano, demonstrando mais uma vez a sua forma aguda de observar e penetrar na alma das mulheres atuais.
Seu segundo livro, “Nosotras que nos queremos tanto”, traz a história de quatro mulheres chilenas, profissionais, em plena vida, se reunindo à beira de um lago para contar suas experiências. Uma torrente de diferentes testemunhos cruza-se sobre uma paisagem íntima comum: a enorme capacidade de amar; vulnerabilidade no campo emocional, apesar das conquistas no campo profissional; o custo dos sonhos. Para Marcela Serrano, essas mulheres são a soma de muitas mulheres que ela conheceu ao longo de sua vida e que vivem materialmente nela. Esta obra recebeu o prêmio de melhor romance latino-americano escrito por uma mulher.
Em 2001, Serrano escreveu o romance “Lo que está en mi corazón”, com a personagem Camila viajando de Washington a México para escrever um relatório sobre o estado de Chiapas, que está sob o olhar do mundo devido ao destaque de um dos líderes do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN): o subcomandante Marcos. Mas sua chegada a San Cristóbal de las Casas tem um objetivo mais profundo do que uma crônica jornalística: seu marido a incentivou a fazer esse trabalho para ajudá-la a superar a morte de seu filho. Imersa nessa dor, Camila chega ao sudeste mexicano onde conhece Reina Barcelona, uma uruguaia que desperta nela o espírito de luta contra a injustiça social e a motiva a participar ativamente do movimento revolucionário indígena mexicano. Nesta aventura, a protagonista conhece o amor, mas também o abuso, os maus-tratos e o sequestro. Tudo isso a leva a se reconciliar com seu passado e sua história
Em 2013, “Doce inimiga minha”, explora o universo feminino através de vinte narrativas curtas. Com cenários e enredos diversos, os contos evocam sentimentos com os quais toda mulher precisa lidar. Do Chile à Bósnia, da Itália à Croácia, em cidades grandes ou pequenos vilarejos, acompanhamos mulheres vulneráveis mas destemidas. Apesar de seus medos, elas se veem em situações em que são obrigadas a se reinventar, a lutar pela união de suas famílias, a combater a solidão, em busca da felicidade. Sejam jovens ou velhas, ricas ou pobres, intelectuais ou donas de casa, todas almejam encontrar a liberdade e a coragem que precisam para enfrentar momentos de crise.
No romance, há mulheres que lutam contra o avançar da idade, acreditando que o cuidado com a beleza pode salvar o casamento; que sonham com a maternidade a qualquer custo; que tentam se libertar da rotina imutável de uma vida sem graça; que buscam abrigo em lugares distantes para esquecer um amor perdido; que abrem mão de seus princípios em troca de segurança; que precisam solucionar problemas familiares sem contar com ajuda alguma. Cada uma delas, seja qual for a idade, posição social ou ideologia, tenta preencher uma espécie de vazio existencial, e mostra seu lado mais vulnerável. De acordo com especialistas, ao retratar o mundo interior feminino, Marcela Serrano revela a profundidade das alegrias e dos medos destas mulheres tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão parecidas. Um trecho do conto Seu Norte? “María Bonita se acostumou a despertar de manhã e a recordar que alguém na cidade também respirava, e que essa respiração correspondia ao seu inimigo jurado. A simples existência dele lhe injetava o poder da energia. Temeu não escutar a respiração quando esta se transferiu para os hospitais de Londres, mas o oceano a trazia a cada manhã e, ligeira, ela atravessava o mundo e chegava aos meus ouvidos. Distante, mas ainda chegava. E agora?, voltou a se perguntar. amanhã vão enterrá-lo e depois de amanhã os jornais começarão a falar de outra coisa, nenhuma notícia, por mais importante que seja, resiste a tanta cobertura, e a vida continuará e ele já não respirará a cada manhã. E eu?
Professora Universitária*