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O Chile e sua literatura (23): Manuel Rojas

Manuel Rojas (1896-1973) foi um poeta e romancista chileno que, desde muito jovem, exerceu os mais diversos ofícios, como, por exemplo, pintor, eletricista, ceifeiro, ferroviário, aprendiz de alfaiate e ator em companhias de teatro com as quais percorreu grande parte do país. Essa atuação em diversas frentes inspirou-o, posteriormente, na elaboração de uma obra repleta de referências às condições de vida dos mais humil­des. De acordo com especialistas, era um autor dotado de um talento especial para a história, conseguindo desenvolvê-la num estilo alegre e divertido, com especial atenção aos elementos naturais. Iniciando pelo realismo social, logo se voltou para uma intimidade pessoal que o distanciou das circunstâncias sociais e políticas de seu ambiente. De pais chilenos, Rojas nasceu na cidade de Buenos Aires, logo se mudando para o Chile, onde alcançou uma formação autodidata, pois a morte precoce de seu pai o obrigou a começar a trabalhar com apenas onze anos. A despeito disso, o autor tornou-se colunista do “Los Tiempos” e do “Las ultimas noticias”. Falecendo-lhe a esposa, viajou pela Europa, América do Sul e Oriente Médio, tornando-se professor da Universidade do Chile e recebendo o Prêmio Nacional de Literatura em 1957.

Sua dedicação à criação literária ocupando grande parte de sua vida, alcançando mais de trinta publicações entre 1921 e 1971. A riqueza do seu estilo pessoal, segundo especialistas, deu origem a obras de bri­lhante qualidade poética e narrativa. Sua expressão íntima, baseada em experiências pessoais, permitiu-lhe mergulhar no mundo dos sentidos e na psicologia de seus personagens, fazendo com que parte do povo chi­leno se identificasse, claramente, com seus protagonistas e ambientações narrativas. Com o conto “El vaso de leche”, Rojas inaugurou o surrealismo chileno, com a criação de cenas irreais, pensamento livre, valorização do inconsciente e criação de uma realidade “paralela”, o que ilustra o quanto Rojas foi criativo e inovador na narrativa de sua geração. Com Hijo de ladrón (1951), romance autobiográfico que marcou seu lançamento definitivo para a fama e o reconhecimento literário, tanto da crítica quanto do público geral, Rojas fez uso do monólogo interior e outras técnicas narrativas inovadoras, introduzidas na literatura entre as guerras, tal como o estilo do romancista, contista e poeta irlandês James Joyce (1882- 1941) e do escritor norte-americano, considerado um dos maiores romancistas do século XX, William Faulkner (1941-1962).

Segundo estudiosos, sua linguagem simples, clara, motivadora, apaixonada, também sabendo ser fria quando necessário, assim como, a densidade de seus ambientes escuros nos subúrbios, bolsões de pobreza onde álcool e sexo, preconceito e solidariedade se entrela­çam. Seus romances abundam em deserdados da fortuna, pequenos criminosos e outros moradores de bairros pobres e marginais, retratados sem truculência ou compaixão. Sua atividade como romancista começou com a obra Lanchas en la bahía (1932), centrada na vida de um jovem demitido do emprego e na relação que mantém com um amigo e uma prostituta. A este primeiro longa seguiram-se quatro romances protagonizados por uma espécie de heterônimo seu, Aniceto Hevia: “Hijo de ladrón” (considerada a sua obra mais típica e bem-sucedida, 1951), “Mejor que el vino” (1958), “Sombras contra el muro” (1964) e “La oscura vida radiante” (1971). Outros romances do autor são “La ciudad de los Césares” (1936) e “Punta de rieles” (1960). Publicou também coletâneas de contos, como “Hombres del Sur” (1926), “El delin­cuente” (1929) e “El bonete maulino” (1943). Também iniciou-se na poesia com volumes como “Poéticas” (1921) e “Tonada del transeunte” (1927). Um trecho de “Hijo de ladron?”

“¿Cómo y por qué llegué hasta allí? Por los mismos motivos por los que he llegado a tantas partes. Es una historia larga y, lo que es peor, confusa. La culpa es mía: nunca he podido pen­sar como pudiera hacerlo un metro, línea tras línea, centímetro tras centímetro, hasta llegar a ciento o a mil; y mi memoria no es mucho mejor: salta de un hecho a otro y toma a veces los que aparecen primero, volviendo sobre sus pasos sólo cuando los otros, más perezosos o más densos, empiezan a surgir a su vez desde el fondo de la vida pasada. Creo que, primero o des­pués, estuve preso. Nada importante, por supuesto: asalto a una joyería, a una joyería cuya existencia y situación ignoraba e ignoro aún. Tuve, según perece, cómplices, a los que tampoco conocí y cuyos nombres o apodos supe tanto como ellos los míos; la única que supo algo fue la policía, aunque no con mucha seguridad.” Traduzindo, “Como e por que cheguei lá? Pelas mesmas razões que cheguei a tantos lugares. É uma longa história e, o que é pior, confusa. A culpa é minha: nunca consegui pensar como um metro poderia, linha após linha, centímetro após centímetro, até chegar a cem ou mil; e minha memória não é muito me­lhor: salta de um fato a outro e às vezes pega os que aparecem primeiro, voltando sobre seus passos apenas quando os outros, mais preguiçosos ou mais densos, começam por sua vez a emergir das profundezas da vida. Acho que, primeiro ou depois, fui preso. Nada importante, claro: assalto a uma joalheria, uma joalheria cuja existência e situação eu desconhecia e ainda desconheço. Eu tinha, ao que parece, cúmplices, que também não conhecia e cujos nomes ou apelidos eu conhecia tão bem quanto eles os meus; a única pessoa que sabia de alguma coisa era a polícia, embora não com muita certeza”. Um autor em que o limite entre sua vida e as de seus personagens desenhou-se como algo muito tênue.

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