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O Chile e sua literatura (21): Jorge Edwards

Jorge Edwards Bello (1931 – 2023) foi um escritor chileno que, graduado e pós­-graduado em Direito, seguiu a carreira diplomática, servindo no Chile, no Peru, na França e em Paris, este último durante o primeiro mandato de presidente do conser­vador Sebastián Piñera, de 2010 a 2014. Amigo de Pablo Neruda, outro embaixador chileno, a quem dedicou a obra “Adiós Poeta”, Edwards tornou-se célebre com o seu romance de 1973 “Persona Non Grata”, no qual relata a sua experiência pessoal como embaixador do Chile (enviado pelo governo de Salvador Allende) na Cuba de Fidel Castro. Segundo especialistas, Edwards permaneceu apenas três meses e meio em Cuba. O duplo ofício de diplomata e escritor, permitindo-lhe estar em contato com escritores da ilha, que lhe relatavam o contrário da versão oficial, fê-lo dar-se conta da faceta totalitarista do regime Castrista, o que levou Fidel Castro ordenar o isolamento do autor, não dei­xando ninguém com este falar enquanto permanecesse na ilha. Exigida a sua retirada da ilha (Edwards tornou-se uma “persona non grata”), seguiu para Paris, após ser requisitado por seu amigo Pablo Neruda, o novo embaixador. Não tardou para que seu livro, relato de alguém de esquerda que, de uma posição privilegiada, permitiu-lhe observar o regime cubano com olhos críticos, se tornasse um best-seller no mundo latino-americano.

De acordo com Mário Vargas Llosa, a prosa de Jorge Edwards é carregada de uma fina ironia, o que dá um encanto especial a tudo o que conta em seus livros de memórias, por onde desfilam personagens fascinantes como Rubem Braga ou Carlos Fuentes. “Sempre houve nele uma objetividade e um comedimento que se refletem muito exatamente esse estilo sereno, demorado, claro e inteligente com o qual escreve suas esplêndidas crônicas e memórias”. “Esclavos de la Consigna”, livro de memórias de Edwards, “traz os de sua juventude literária até o instante em que Salvador Allende, recém-eleito presidente do Chile, o envia a Cuba como adido de negócios para re­abrir a embaixada que havia estado fechada desde o rompimento das relações entre os dois países, durante o regime de Eduardo Frei Montalva, os sectarismos políticos eram tão apaixonados na América Latina que alguém tão pouco estridente, tão bem educado e tão respeitoso das formas poderia parecer inexistente. A boa prosa de Edwards está carregada de uma fina ironia que confere um encanto especial a tudo o que ele conta no livro. Ovelha negra de uma antiga família chilena por causa das suas amizades esquerdistas, e esquerdista ele mesmo quando adolescente e em sua primeira etapa de maturidade, os primeiros capítulos de “Esclavos de la Consigna” (“escravos da palavra de ordem”) se referem sobretudo aos seus primeiros passos no domínio da literatura, como esta vocação foi se impondo sobre todo o resto —seus estudos de Direito, o ano de pós-graduação em Princeton que o marcou com força, seu ingresso na diplomacia, o entusiasmo com que leu Unamuno e a outros escritores da Geração de 98, seus primeiros livros de contos—, e à boêmia pertinaz, feita de hábitos noturnos, álcool e travessuras com as chilenas, talvez as primeiras a alcançarem uma margem de liberdade e indepen­dência que o resto das mulheres latino-americanas ainda desconhecia”.

Ainda segundo Llosa, “Um personagem central na vida de Jorge Edwards foi Pablo Neruda; ficaram amigos desde que ele era muito jovem, e essa amizade permitiu a Jorge conhecer um Neruda muito mais íntimo, a quem descreve nestas páginas com admiração e carinho pela grandeza de sua poesia, mas que também mostra como alguém dominado por dúvidas e angústias políticas secretas que às vezes o devoravam (“Enganei-me” confessou nos anos finais). Também relata os esforços que fez para evitar que Jorge escrevesse “Persona Non Grata”, seu testemunho crítico sobre a Revolução Cubana, que seria lido em todo mundo e que lhe traria —como anteviu o poeta— uma tempestade de críticas de uma ferocidade sem precedentes por parte de uma esquerda deslumbrada com a suposta “revolução com festa” de Cuba. Em “Esclavos de la Consigna”, Edwards conta como o próprio Julio Cortázar, recém-convertido à Revolução naqueles anos, confessou que, apesar de serem amigos, preferia não voltar a vê-lo por ter escrito aquela memória”.

Lhosa afirma que conheceu Jorge nesses anos, recém-chegado a Paris como terceiro-secretário da embaixada do Chile. Ficaram muito amigos, trocavam visitas literárias nos fins de semana e livros. “Era então mais para o tímido, mas, depois de dois whiskies, saltava sobre uma mesa e, muito sério, interpreta­va uma endiabrada “dança hindu” que consistia em mover ao mesmo tempo a cabeça, as mãos e os pés. Tenho certeza de que cumpria suas funções diplomáticas de maneira cabal, mas a literatura foi sempre sua primeira prioridade; já desde então costumava se levantar ao alvorecer para escrever — sempre à mão, em folhas brancas e com canetas de tinta azul—, e assim li eu seu primeiro romance, “El Peso de la Noche”, que está sempre vivo em minha memória, tanto como nossas discussões sobre se Dostoiévski ou Tolstói era o melhor escritor (eu defendia Tolstói)”. Em “El Peso de la Noche”, segundo Llosa, desfilam uma série de personagens fascinantes, como o brasileiro Rubem Braga, Carlos Fuentes, “com sua cara de prócer da Revolução Mexicana”, entre outros. “Uma dimensão muito especial neste livro é o testemunho político. É surpreendente saber que, se alguém anteviu a catástrofe que poderia sobrevir com a eleição de Salvador Allende e as reformas que a Unidade Popular prometia, esse alguém foi Neruda… Só no Chile democrático de então poderia um diplomata, como fazia Edwards, ir comigo à embaixada de Cuba em Paris a cada 26 de Julho para celebrar a Revolução de um país com o qual seu governo estava em um questionamento inflamado (tanto que haviam rompido relações). E, apesar do esquerdismo de Edwards de então, o ministro das Relações Exterio­res de Frei Montalva, o democrata-cristão Gabriel Valdés, ligava para ele consultando-o sobre escritores e a política cultural do Governo. Bons costumes que, felizmente, logo depois do pesadelo da ditadura militar voltaram ao Chile e que este livro recria com delicadeza e humor”.
Em 1999, Edwards foi homenageado com o Prêmio Miguel de Cervantes, o mais importante de língua espanhola. A morte foi confirmada pelo filho do escrito e foi em decorrência de diabetes. Uma das figuras de proa da literatura chilena contemporânea. Escreveu poesia e romances.

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