Jorge Teillier (1935-1996) foi um poeta chileno que cresceu em contato direto com a natureza, fato este que o tornou capaz de assimilar a capacidade de combinar a tradição cultural, social e histórica chilena e francesa com os costumes mapuches, o que atribuiu a sua literatura um significado ainda mais universal. Iniciando nas letras aos doze anos, viu a maior parte dos poemas que compõem seu primeiro livro, “Para anjos e pardais” (1956), nascer “na carteira do colégio”. Adolescente, colaborou com várias publicações locais, com poemas ou pequenas crônicas, trabalhos, estes, que antecipavam o universo poético particular que mais tarde viria a consolidar nos seus livros. Aos 18 anos, ingressou no curso superior de História, alimentando, com os novos conhecimentos, o resgate de uma tradição que usou para alimentar sua criação poética. De acordo com especialistas, sua primeira coletânea de poemas foi bem recebida pela crítica especializada da época, que destacou uma simplicidade que não impedia profundidade. Graduado, lecionou no Liceo de Lautaro, bem como, fundou e dirigiu, por alguns anos, a revista de poesia “Orfeo” e dirigiu o Boletim da Universidade do Chile. Dedicando-se à tradução, escrevendo contos e colaborando em vários jornais e revistas, permaneceu alheio às ligações com o poder político, ainda que simpatizasse com as ideias de esquerda e com Salvador Allende.
Após o golpe de Estado no Chile, em 11 de setembro de 1973, efetuado para derrubar Allende, elevou-se o tom autobiográfico de sua poesia, aquelas pequenas confissões como “a noite é minha melhor amiga” ou “é melhor morrer de vinho do que de tédio”, bem como as ‘sombras de amigos mortos’, fazendo-o afirmar que sentia-se estrangeiro em seu próprio país’. Seus poemas desse período referem-se às consequências da ditadura militar, antes do golpe de Estado. Um poema onde isso pode ser lido é “No mês das raposas”, publicado em 1978, onde ele escreve: “Quem nos devolverá nossos amigos mortos/ aquele mês de raposas e dias frios de sol./ Quem nos devolverá/ aquela rua que agora os anciãos assistem com raiva.” Ou, em outro, de 1985, em que escreve, “E não te divirtas / ensinando palavras feias aos choroyes. / Ensina só a dizer Papá ou Centro de Madres / Lembrem-se que estamos numa época em que se fala em voz baixa,/ e tomar a sopa um dia num Banquete de Gala/ significa sonhar alto”.
De acordo com estudiosos, em 1965, movido pelo impulso de configurar o seu espaço mítico, Teillier publicou “Los poetas de los lares”, ensaio em que revê a obra de todo um grupo de poetas que centraram a sua obra na província, na infância e no respeito pelas tradições.”, inaugurando uma vertente importante da poesia nacional, a poesia larica, laric ou lares”. Esta, de origem ou de fronteira, corresponde à ética e à estética fundadas por Jorge Teillier e transmitidas em toda a sua obra. Esta forma de entender e fazer poesia caracteriza-se por um regresso ao passado, a um paraíso perdido onde o quotidiano e o amistoso contrastam com a modernidade dominante da época. Teillier enfatiza a busca dos valores da paisagem, da aldeia e da província, onde se unem as imagens nostálgicas da infância perdida e a natureza primeira do mito. Por meio de uma escrita geralmente simples, ele propunha um retorno a uma Idade de Ouro em que o orador lírico e o leitor pudessem acessar um mundo mais puro e feliz, “um mundo melhor”, como diria o próprio poeta. Ao longo de sua carreira literária, recebeu inúmeros prêmios, entre eles o Prêmio Anguita de 1993, concedido pela Editora Universitária ao poeta vivo mais importante do Chile que não havia conquistado o Prêmio Nacional de Literatura. Sua poesia, parcialmente traduzida para vários idiomas, o acompanhou até a morte, aos 60 anos, no Hospital Gustavo Fricke em Viña del Mar. Um poema do autor:
OUTONO SECRETO
Quando as amadas palavras cotidianas
perdem o sentido
e não pode mais nomear o pão,
nem a água ou a janela,
e se torna falso todo diálogo que não seja
com nossa imagem desolada,
mesmo que se vejam as estampas destroçadas
no livro do irmão mais novo,
é bom saudar os pratos e a toalha colocada sobre a mesa,
e ver que no velho armário conservam sua alegria
o licor de cereja que a avó preparou
e as maçãs colocadas para amadurecer.
Quando a forma das árvores
já não é senão a breve lembrança de sua forma,
uma mentira inventada
pela turva memória do outono,
e os dias possuem a confusão
do sótão onde ninguém sobe
e a cruel brancura da eternidade
faz a luz fugir de si mesma,
algo nos lembra da verdade
que amamos antes de saber:
os galhos se quebram ligeiramente,
o pombal está cheio de abas,
o celeiro sonha novamente com o sol,
acendemos para a festa
os lustres claros do salão empoeirado
e o silêncio revela o segredo que não queríamos ouvir.