O mundo celebra nesta quinta-feira, 11 de março, o centenário de nascimento de Astor Piazzolla, um dos maiores músicos do século 20, responsável por uma revolução no tradicionalíssimo tango argentino. Mal comparando, Piazzolla está para o tango como Tom Jobim para a música brasileira – um divisor de águas, responsável por uma revolução artística raríssima: transformou um gênero totalmente estratificado em laboratório de pesquisas para novos voos instrumentais.
De repente, o tango propiciou improvisos, como o jazz (e também a bossa nova por aqui). Não por acaso, ele nasceu na Argentina, mas passou a meninice e adolescência em Nova York, com a família. Eles retornaram a Buenos Aires em 1937. Dois anos depois, já atuava na orquestra de Anibal Troillo. Depois de uma passagem por Paris, onde estudou com Nadia Boulanger, empreendeu a partir de 1955, com seu Octeto Buenos Aires, uma encarniçada guerra com os tradicionalistas da qual saiu plenamente vitorioso.
Estudou com o compositor Alberto Ginastera e compôs música erudita. Aventurou-se com sucesso até numa ópera-tango, “Maria de Buenos Aires”, Mas, como Jobim, Piazzolla é imortal por temas emblemáticos e popularíssimos como “Adiós, Nonino”, “Oblivion”, “Libertango” (uma música manifesto do “nuevo tango”), “Milonga del Angel!” e a incrível “Balada para un Loco” (1968), sobre versos de Horacio Ferrer e performance memorável de sua mulher Amelita Baltar.
Suas “Cuatro Estaciones Porteñas” já foram gravadas dezenas de vezes se alternando cada estação com as arquiconhecidas barrocas de Antonio Vivaldi (1678-1741). Assim como a sensacional “História del Tango”, obra da maturidade, de 1986, que recebeu variadíssimas versões e arranjos. Em 28 de dezembro de 1935, o menino de 12 anos, emocioando, entrou no apartamento penthouse de Carlos Gardel (1890-1935) em 28 de dezembro de 1935.
Levava uma escultura em madeira de um gaúcho tocando violão feita por seu pai Vicente, coisa de fã, para o grande astro do tango que viera a Nova York para gravar programas para a NBC. Começava ali uma curta porém intensa amizade entre eles. Gardel não falava inglês e pediu-lhe que o acompanhasse em passeios por Manhattan. Foi assim que Astor tocou seu bandoneon para o ídolo e o ajudou a comprar na Saks da Quinta Avenida uma batelada de 20 camisas listradas multicoloridas, as suas preferidas.
A volta a Buenos Aires marcou o mergulho mais fundo no universo do tango portenho, por meio do trabalho com o grande Anibal Troillo, para o qual fez arranjos e com quem, aliás, tocou em 1952 no Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. No mesmo ano, sua “Sinfonietta para Orquestra de Câmara Opus 19” foi escolhida pela crítica argentina como melhor obra erudita. Em 1990, antes de sofrer um AVC que o levaria à morte dois anos depois, no dia 4 de julho de 1992, Astor “previu” o futuro glorioso de sua música.
“Tenho esperança de que minha obra será ouvida em 2020. E no ano 3000 também. Às vezes tenho certeza disso, porque a música que faço é diferente… Terei um lugar na História, como Gardel… Minha música pode agradar ou não, mas ninguém pode negar que ela é boa: é bem orquestrada, é nova, é deste século, e tem o perfume do tango, que é o que a torna atraente no mundo inteiro”.