A crise institucional do Brasil, que já convivia com a crise econômica, e agora convive com a crise da pandemia, apresenta um quadro sem precedentes, já que autoridades agem calculadamente ou por ignorância agressiva, contra os princípios e regras da Constituição vigente, que representa o pacto de convivência social traçado pela Constituinte, que ouviu a sociedade civil, num processo alongado no tempo e no espaço, sem precedentes na história do constitucionalismo brasileiro.
Toda autoridade ao assumir o cargo jura respeitar a constituição e manter a ordem jurídica e a democracia. No entanto, o juramento atual se converteu em capa de museu, tal a continuidade com que se pratica a violação de nossa Lei Maior, até agora impunemente.
Não se falará, porém, do presidente da República, como o campeão dos atos ilícitos praticados, que culminou na sua visita repentina ao Supremo Tribunal Federal, na procissão de alguns empresários, pretendendo com forma mediática jogar no colo daquela Corte a responsabilidade pela politica traçada pelo Congresso Nacional e por ele, presidente, sancionada, face a pandemia da covid-19. Sancionada e violada por ele mesmo, repetidas vezes, que deveria respeitar o pacto federativo coordenando União, Estados e Municípios. Mas, a cena faz parte do show que sempre quer jogar a responsabilidade para os outros, mesmo quando é só dele.
A bola de hoje é especialmente sobre o Brasil e suas relações exteriores.
Se Ciro Gomes tem competentemente criticado o governo, apresentando propostas para recuperação da economia, do sentimento de nação e da dignidade do país, um ato-fato político de extraordinária importância, acontecido nessa semana, sobreleva mais uma unidade de propósito patriótico, que se coloca acima de eventuais diferenças políticas para mostrar urgência na reconstrução da política externa brasileira, reduzida à indignidade da sabujice, na entregue aos interesses estratégicos estrangeiros, contra todos os princípios constitucionais do Brasil.
Esse ato político de relevância extrema está assinado não só por ex-ministros das Relações Exteriores, encabeçado por Fernando Henrique Cardoso, seguido por Aloísio Nunes Ferreira, Celso Amorim, Celso Lafer, Francisco Resek, José Serra, Rubens Ricupero (ex-ministro da Fazenda, ministro do Meio Ambiente e ex-embaixador em Washington), e Hussein Kalout, ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, todos com contribuição recente e positiva à longa história da reconhecida atuação da diplomacia brasileira.
Esse manifesto é denuncia, densa advertência e também um apelo ao Poder Judiciário e ao Congresso Nacional, para que registrem e ajam eficientemente pelo controle da constitucionalidade, em prol dos princípios que definem, obrigatoriamente, as relações internacionais do Brasil com outros Estados e outros povos. São os princípios da Constituição do Brasil, que todas as autoridades civis e militares juram cumprir, mas com aparente indiferença nem avaliam a desfaçatez e a ousadia com que são eles violados, colocando em risco os interesses políticos, econômicos, culturais e militares, que devem ser direcionados à construção da paz, para que se realize, internamente,“os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que são:
I- construir uma sociedade livre, justa e solidária, II- garantir o desenvolvimento nacional, III- erradicara pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais, IV- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, praticando na política externa os princípios da I- Independência nacional, II prevalência dos direitos humanos, III- autodeterminação dos povos, IV- não intervenção, V- igualdade entre os Estados, VI- defesa da paz, VII- solução pacífica dos conflitos, VIII- repúdio ao terrorismo e ao racismo, IV – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, X-concessão de asilo. E, ainda, “buscar a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.
Importante foi a direção do apelo ao Supremo Tribunal Federal, mas faltou esclarecer que o Poder Judiciário precisa ser objetivamente provocado, por algum procedimento de responsabilização para se pronunciar. O endereço certo, político-jurídico é do Congresso Nacional, que poderia instalar uma Comissão Parlamentar de Investigação mista, para apurar os fatos concretos e determinados que marcam a orientação da política externa brasileira, que tem o despudor de violar a constituição e ficar por isso mesmo.
E também o endereço é o das Forças Armadas, não para intervir no judiciário, ou desacreditá-lo com pronunciamentos pontuais, que elevam a temperatura do descredito institucional, mas para repetir a altivez do pronunciamento do Ministro da Guerra, em 1947, que somado aos dois discursos do deputado constituinte, professor Gofredo da Silva Telles, impediram que a Amazônia fosse entregue a um Instituto Internacional, ou ainda repetir a altivez do general Lott que garantiu a posse do presidente eleito em 1955, Juscelino Kubitschek, ou como tantos outros oficiais nacionalistas que defenderam a Petrobras.
Afinal, todos têm o dever de defender a Constituição e a democracia.