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O Brasil ainda tem remédio?

Sei que a indagação gera muita polêmica e desperta paixões, especialmente políticas, mas hoje vamos tratar do remédio no sentido literal. A pandemia escancarou a dependência do Brasil em relação à produção e fornecimento de medicamentos. O problema é antigo e tem consequências na saúde e na vida de todos nós. Na maioria dos lares existe um armário, uma caixa ou um cantinho chamado de “farmacinha”. A cultura da medicaliza­ção está cada vez mais crescente e a quantidade consumida pelas famílias é impressionante.

Circulando pelas nossas cidades observaremos a surpreen­dente expansão de redes de farmácias e drogarias. Também nas Unidades Básicas de Saúde encontramos milhares de pacientes retirando diariamente sacolinhas cheias de fármacos. Ocorre que poucas pessoas sabem o caminho percorrido para que o remédio chegue até suas mãos.

Um medicamento surge a partir da necessidade de combater determinada doença. São anos de trabalho, milhares de pessoas envolvidas e um investimento financeiro considerável até se chegar aos incipientes adequados que se tornam fármaco-quími­cos e princípios ativos para a concepção do produto final. Diante da demanda, pesquisadores iniciam uma série de estudos e testes laboratoriais e de campo até chegarem a um produto cientifica­mente seguro e que, após aprovado pelas agências reguladoras, possa ser produzido em escala industrial e comercializado.

Os países ou indústrias que não detêm tecnologia ficam na dependência de terceiros. Para combater o monopólio seria necessário quebrar patentes, porém encontraríamos outro entrave, a falta de capacidade técnico-produtiva e logística nacional. Um exemplo claro é o das vacinas e insumos para combate ao Covid-19, pois o Brasil importa 90% dos insumos farmacêuticos, 80% dos equipamentos e sensores e 60% dos equipamentos de proteção individual. O país que possui 20% da biodiversidade do planeta, não consegue desenvolver no­vos produtos farmacêuticos, principalmente pelo recorrente corte nas verbas destinadas à pesquisa.

Com a constante desvalorização do real em relação ao dólar e a crescente judicialização da saúde, com pacientes buscando remédios caríssimos para tratamento de doenças crônicas, o Sistema Único de Saúde sofre considerável impac­to financeiro com gastos de importação de insumos farma­cêuticos, principalmente medicamentos.

Segundo dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), apesar da inexplicável redução de 11% no gasto com o programa Farmácia Popular, em 2019 o governo federal dispen­deu R$ 19,8 bilhões com medicamentos. Quanto à judicializa­ção, no mesmo ano, o Ministério da Saúde gastou R$ 1,37 bilhão. Estados e municípios também comprometeram considerável percentual de seus orçamentos para fazer frente aos mandados expedidos pelos juízes.

Para mudança desse cenário de fragilidade precisamos de investimentos sólidos em inovação, amenizando a dependên­cia externa, ampliando a capacidade de competição e produ­ção de tecnologias farmacêuticas de maior valor agregado, inclusive com ampliação das empresas de biotecnologia. Para compensar parte do atraso e avançar no setor, os Ministérios da Saúde, da Educação e da Ciência e Tecnologia devem tra­balhar integrados, fomentando pesquisas nas universidades, laboratórios públicos e Centros de Desenvolvimento Tecno­lógico. Quem sabe assim, um dia todos possam afirmar que nosso país ainda tem remédio.

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