Tribuna Ribeirão
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O bicho

Elson de Paula *
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“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem.”

Este poema de autoria de Manuel Bandeira(1886-1968), foi escrito em 27 de dezembro de 1947, e retrata a realidade social de um Brasil imerso na miséria durante a década de quarenta.

O bicho que revirava os detritos de um pátio, e que devorava aflito o que encontrava, sem examinar nem cheirar, não era um cão, gato ou rato, era uma era uma Pessoa em Situação de Rua, destas como vemos hoje nas ruas de Ribeirão Preto, incomodando muitos ao revirar seus sacos de lixo, buscando avidamente o que é descartado, para matar sua fome antes que ela lhe mate.

Nestes versos Bandeira nos revela que no seu tempo já existia no país uma ordem social fraturada, e mostra que a realidade que nos incomoda hoje, vem de longa data, sem nenhuma solução digna e humana que tenha acontecido em 67 anos após.

Muitos dirão que o poeta exagerou, que ninguém come lixo, ou dirão coisas piores ao conhecer este poema, mas estes sequer reconhecem à sua volta, a miséria e a vulnerabilidade à que sobrevivem as Pessoas em Situação de Rua presentes em Ribeirão Preto, que realmente passam muita fome.

Muitos munícipes, desprovidos do olhar humano, de compaixão e da vontade de abraçar-lhes e mudar sua vida, bradam sem nenhum constrangimento que uma Pessoa em Situação de Rua é vagabunda, preguiçosa, fraca e não quer fazer nada!

Pior que isso é que nas ruas de Ribeirão Preto morrem Pessoas  em Situação de Rua, frágeis, indefesas, expostas a todo tipo de invisibilidade, de perigos e de crueldade, e poucos, bem poucos se incomodam com suas mortes.

Representando o Movimento Nacional de Luta e Defesa da População em Situação de Rua (MNLDPSR), acompanhando essa situação há algum tempo, todos os anos me deparo com um número nunca menor de 10 a 12 Pessoas em Situação de Rua, que perderam suas vidas em nossa cidade.

Os motivos foram diversos, mas as mortes ocorreram, e a fome estava entre suas principais causas!

Enquanto isso, a única preocupação que se tem é medir o tamanho dessa população na cidade, mas não para acolhê-la, e sim, apenas para mensurar o tamanho do problema, e planejar medidas higienistas, que “limpem” a cidade.

Neste mandato atual, vereadores de nossa cidade, alegando medidas sanitárias, apresentaram projeto de lei que, se aprovado, proibiria a distribuição de marmitex para Pessoas em Situação de Rua, em ruas e praças, enquanto o município nunca manteve serviços suficientes para atender à toda a demanda da População em Situação de Rua.

Existem vários grupos religiosos ou de amigos, que sensibilizados com essa ausência do Estado, se organizam para fazer a comida e servir aos nossos Irmãos e Irmãs em Situação de Rua, e que estariam impedidos de aliviar-lhes a fome se tal projeto de lei fosse aprovado.

Porque nunca vi um vereador ribeirão-pretano falar em criar projetos que estimulem o Executivo, a ele próprio, pois é sua obrigação, implantar programas que resolvam o problema da fome dessas pessoas?

Vão alegar que não podem sugerir projetos de lei que causem despesas ao Executivo. Mas como, se em outros municípios brasileiros isso já acontece?

Temos o Centro Pop, que atende cerca de pouco mais de 100 pessoas diariamente, mas que fica nos Campos Elíseos, distante da região central da cidade onde se concentra a maior parte da População em Situação de Rua,  que oferece café da manhã, almoço e lanche da tarde, mas que só funciona de segundas à sextas até às 17 horas, e não fornece janta, deixando essas pessoas sem o serviço à noite, aos sábados, domingos e feriados.

Entre tantos desafios que uma Pessoa em Situação de Rua pode enfrentar habitando nossas calçadas, a fome lhe obriga a revirar nosso lixo e comer o que for sobra, para não minguar dia-a-dia, e perecer para sempre.

O que resta então? Aguardar que um novo prefeito se sensibilize com este apelo, e que os novos e velhos vereadores que assumirão nossa Câmara, dêem uma de bons samaritanos, e mudem a realidade que Manuel Bandeira nos apresenta e que não exagerou em seus versos, pois quando uma Pessoa em Situação de Rua é vista, é mesmo como um bicho, como um cão abandonado, um gato de rua, ou um rato de esgoto, nada mais que isso!

Pensemos nisso!

* Jornalista, representante do Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua e cofundador e coordenador do Fórum de Defesa da População em Situação de Rua de Ribeirão Preto (Pop Rua RP) 

 

 

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