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O Bem Amado

O baiano Dias Gomes (1922/1999) imortalizou a figura do folclórico prefeito Odorico Paraguaçu, vivido pelo notável Pau­lo Gracindo (1911/1995), em O Bem Amado, exibido em 1973.

Odorico era a personificação do político corrupto e de­magogo, capaz de mobilizar uma fanfarra para inaugurar um banco de praça.

Permanece na memória, daqueles que acompanharam a novela, a procura desesperada de Odorico por um defunto para inaugurar o seu cemitério.

Escasseavam as mortes por aquelas bandas.

Os tempos são outros.

O reverso da história se repete, por nossas bandas, em forma de tragédia.

O Odorico dos tempos atuais é prefeito da pequena e aco­lhedora Santa Cruz da Esperança.
Segundo a vontade do prefeito só se enterram, ali, pes­soas residentes no município, proibido o sepultamento de pessoas não residentes, ainda que nascidas na cidade e ali possuindo família.

Para superar a medieval proibição, a família valeu-se de mandado de segurança, liminarmente concedido pelo Juiz de Direito da Comarca de Cajuru.

Ao deferir a liminar o ilustre Juiz (Dr. Mário Leonardo de Almeida Chaves Marsiglia buscou inspiração em Sófocles (406 ac/497ac).

A tragédia de Sófocles resume o drama imposto pelo pre­feito à família impetrante.
A fundamentação da sentença é digna de reprodução.

“Mesmo se houvesse norma municipal, proibindo o sepulta­mento em cemitério municipal, por exemplo, de pessoa residen­te em outros Municípios, essa regra não comportaria acolhi­mento no ordenamento jurídico e no sentimento de justiça.

O caso não é novo.

Cerca de 400 anos antes de Cristo, o poeta Sófocles escreveu a tragédia Antígona, na qual a personagem, cujo nome dá títu­lo à obra, se insurge contra uma lei, editada por Creonte, que proibia o sepultamento de Polinice (irmão da protagonista).

Com essa tragédia, Sófocles procurou ressaltar como algumas leis, ainda que cogentes e em vigor, contrariam o sentimento de justiça do comum dos homens, por contrárias ao bom senso, à moralidade, aos costumes e à fé, razão pela qual não devem ter eficácia.

Cabe transcrever o trecho central da obra (na tradução de Mário da Gama Kury):

Creonte: E te atreveste a desobedecer as leis?

Antígona: Mas Zeus não foi arauto delas para mim, nem essas leis são as ditadas entre os homens pela Justiça, compa­nheira de morada dos deuses infernais; e não me pareceu que tuas determinações tivessem força para impor aos mortais até a obrigação de transgredir normas divinas, não escritas, inevitáveis; não é de hoje, não é de ontem, é desde os tempos mais remotos que elas vigem, sem que ninguém possa dizer o quando surgiram.

É o que se dá no caso em apreço. Nenhuma norma pode­ria proibir o sepultamento em jazigo pertencente à família da falecida. (disponível em https://esaj.tjsp.jus.br/proces­so1000508-86.2020.8.26.0100)

Dias Gomes é imortal.

Odorico Paraguaçu também.

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