Uma única expressão pronunciada pelo Chefe da nação, presidindo um governo desastrado, revela o que fazia e o que planejava. É a expressão do “Meu Exército”, dita com a empáfia natural de quem pensa saber das coisas, de quem sonhava com um 8 de janeiro, impensável fora da sandice da malta, e esperada ansiosamente após o resultado das eleições. No entorno estava a destilaria da mediocridade, esta apresentada como talento novo, e com o discurso do ódio surgido como novidade tóxica recomendada à alma, ao espírito, à consciência e à afetividade, que reverberou negativamente, nas relações sociais, políticas e familiares.
No entremeio dessa arruaça institucional era lançado um argumento, supostamente verídico, e politicamente viável como golpe, com o qual se procurava alçar as Forças Armadas como salvadoras da crise criada unicamente pelo incentivo presidencial, invocando-se o artigo 142 da Constituição Federal, interpretado, para elevá-las à condição de Poder Moderador.
Essa interpretação é mágica, já que as Forças Armadas, como instituições permanentes, destinam-se à defesa da pátria e garantia dos poderes constitucionais, sob o comando do Presidente da República.
Os poderes constitucionais estão compondo a estrutura imposta e desenhada pela Constituição de 1988, momento constituinte gigantesco e único na história do Brasil. Eles são o Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário, tendo o povo e sua soberania, como fonte real, que se manifesta no silenciar das urnas, conferindo-lhes legitimidade e alma.
Na topografia da Constituição só existem assim esses poderes constitucionais. Eles que configuram e estruturam o Estado Democrático de Direito. Aliás, já no preambulo de nossa Constituição, que é o pacto de nossa convivência social, ela já diz instituir um Estado Democrático e, no Capítulo IV, estabelece a organização dos Poderes, que são os poderes da União (art. 2º): Poder Legislativo, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Não existe outro Poder, enquanto as Forças Armadas estão incluídas no Capítulo V, sob o título da defesa do Estado e das Instituições Democráticas.
Assim o verbo garantir, que é uma das tarefas constitucionais delas jamais significou destruir a arquitetura do Estado, nem parcial nem totalmente, em nome de um Poder em relação ao outro, sendo que os três são independentes e harmônicos entre si.
As Forças Armadas não podem fechar o Congresso Nacional, não podem destruir ou mutilar o Poder Judiciário, não podem afastar um Presidente ainda que psicopata, pois a defesa dos poderes constitucionais exige que elas sejam convocadas e autorizadas a exercer funções de Segurança Pública, como por exemplo a intervenção parcial decretada no Rio de Janeiro, que, infelizmente, nada acrescentou em nada.
Qualquer pretensão de colocá-las no topo dos poderes constitucionais é um golpe, defendido por golpistas disfarçados ou não.
Mas, entre profissão civil e profissão militar existe diferença. A do militar apresenta uma distinção fundamental. Na defesa da soberania da pátria, ele oferece a própria vida. Com isso a profissão atrai um tratamento diferenciado, mas sem superioridade, nem arrogância.
Uma pergunta emerge nesse contexto para que se saiba qual democracia é essa, configurada na Constituição e exercitada pelos poderes constitucionais? É a democracia do sistema da tripartição de poderes cujo Estado pressupõe a participação nos negócios públicos, consagra e garante o exercício dos direitos fundamentais da pessoa, respeita o pluripartidarismo, respeita o sigilo do voto, na rotatividade do Poder. E consagra como diretrizes de atuação, princípios éticos-jurídicos: I. A soberania, II. A cidadania, III. A dignidade da pessoa humana; IV. Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V. O pluralismo político. Nesse ponto surge a revolução que coloca a pessoa humana como protagonista, contrariando todas as Constituições anteriores, que celebrava o Estado como tal.
Ainda, nossa República Federativa (art. 4º) tem regência nas relações internacionais, mediante a obediência aos seguintes princípios: I. Independência nacional; II. Prevalência dos direitos humanos; III.
Autodeterminação dos povos; IV. Não intervenção; V. Igualdade entre os Estados; VI. Defesa da paz; VII. Solução pacífica dos conflitos; VIII. Repúdio ao terrorismo e ao racismo. IX. Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. E ainda a busca pela integração dos povos da América Latina, para formação de uma comunidade das nações.
Essa é a pauta a ser cumprida pela democracia brasileira, com suas Forças Armadas garantindo os poderes constitucionais, que os estrutura.
O atual comandante do Exército, Gel. Tomás Paiva, ainda que tenha dito, sobre a infelicidade após o resultado da eleição, “frase tirada de um contexto”, segundo ele, na verdade reconhece que o ganhador é o chefe supremo das Forças Armadas, e agora elas se esforçam para retirar a politização partidária de seu seio. A propósito já divulgou as diretrizes do Exército —“Instituição de Estado, apolítica e apartidária”.
Todo golpista a primeira coisa que faz é desacreditar o Supremo Tribunal Federal, pois esse Poder tem a função precípua de limitar a autuação dos demais Poderes, e a função de limitar a atuação do Estado em relação à cidadania, cumprindo a Constituição.