As lições dos antigos são sempre úteis. Servem para entender novas situações, talvez porque captem algo essencial do humano. Por isso permanecem.
Pertencem a Aristóteles algumas das mais famosas passagens da história da filosofia. Vamos falar de duas delas hoje: o homem é o animal político; o homem é o animal racional.
São afirmações muito próximas da obra A Política, e por elas Aristóteles tenta definir o ser humano, mostrando o que nós temos de específico.
Definir o homem como o animal político não é o mesmo que dizer que ele é um animal social, que gosta e precisa viver em sociedade. Isto é verdade, mas não basta para especificar-nos. Somos animais sociais em um sentido muito especial.
O homem é, dentre todos os animais, o único que tem o logos. Esta palavra grega tem muitos significados: palavra, discurso, pensamento, razão.
Ser racional, explica Aristóteles, significa não só ser capaz de pensar, mas de fazer discursos pelos quais comunicamos (tornamos comum) visões de longo alcance – visões sobre o futuro, sobre o qual é possível e necessário deliberar.
Outros animais – não racionais – também são sociais, e usam linguagem. Mas eles não têm o logos – como nós – mas a voz, pela qual são capazes de comunicar apenas a dor e o prazer.
Isto é importante, pois permite o funcionamento da comunidade. Pela voz, os animais compartilham com seu grupo a presença do perigo ou do alimento.
Mas o ser humano pode mais. Ele é capaz de distinguir e de comunicar o útil e o prejudicial, o justo e o injusto, o bem e o mal, e de estabelecer consensos e planos a partir dos quais se formam as famílias e as sociedades.
Esta é a nossa diferença em relação aos animais irracionais. Nós não estamos presos a visões imediatistas, nossa percepção vai além do que causa prazer ou dor. Somos capazes de ver mais longe, para além das situações em que estamos mergulhados a cada vez.
Animais irracionais (e também muitos seres humanos que vivem como animais irracionais) não têm visão de futuro e por isso seu comportamento é inteiramente determinado pelas emoções e pela dor ou prazer que determinado fato causa aqui e agora.
Já os seres humanos – racionais – são capazes de perceber que uma ação pode ser boa, apesar de causar dor, ou má, apesar de causar prazer.
Um cão nunca entenderá que a injeção é útil (apesar de dolorosa) porque prevenirá doenças. Ele não consegue enxergar para além do imediato, e foge.
Já um ser humano é capaz de renunciar ao prazer de comer ou beber demais, para preservar a saúde física e psíquica. Ser racional significa não ser escravo do imediato, e tomar decisões tendo em vista o futuro. Nós vivemos e constituímos nossas comunidades em vista do futuro.
A visão de longo alcance dos animais políticos torna-nos capazes de decisões melhores, mas também impõe dificuldades, porque traz a polêmica e a divergência como características invencíveis de nossa convivência.
O que causa dor e prazer é quase sempre muito claro. Dificilmente haverá divergência acerca da dor causada à pele pelo fogo.
Mas acerca dos efeitos a longo prazo de uma decisão política ou econômica…
O que está longe não está sempre claro, e é por isso objeto de divergência.
Isto faz de nós uma comunidade política: não vivemos escravos da busca do prazer ou da fuga da dor, mas juntos forjamos, compartilhamos e disputamos nossas visões de futuro.