Tribuna Ribeirão
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Nuno M. M. S. Coelho

Tempos difíceis fazem pensar sobre nossa civilização, e obrigam a escolher: queremos honrar os ensinamentos de quem ofereceu sua vida para tornar-nos me­lhores? Ou abandonaremos nossa tradição de valorização do ser humano? Tempos difíceis fazem pensar sobre o que significa decidir viver como cristão.

Mas não só da boca para fora. Ou basta ao cristão pronunciar o nome de Deus mil vezes, a mesma boca que ofende, o mesmo coração que deseja a morte e o sofrimento, a mesma mente que despreza a compreensão e fomenta a luta e a divisão?

Basta-nos memorizar passagens das Escrituras, mas dar a elas significado contrário ao que o Cristo viveu? Palavras da Bíblia usadas para espalhar ódio, indiferença e desprezo pelo outro?
A sensibilidade religiosa do brasileiro conduz muitas pessoas ao mandamento do amor a Deus sobre todas as coisas, mas muitas vezes esquecemos uma das mais maravi­lhosas expressões evangélicas: “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mt 12, 31).

Em lugar do individualismo, do sucesso a qualquer preço, de colocar as nossas opiniões e a nossa própria família acima de tudo, não seremos melhores cristãos assu­mindo o voluntariado social e os movimentos de solidariedade, especialmente voltados aos mais necessitados – sem esperar nem aceitar absolutamente nada em troca?

Podemos ignorar a mensagem expressa no Evangelho de Mateus 25, 31-46, a base cristã da defesa dos direitos de todos os seres humanos? Jesus nos ensinou: “o que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram”. Tudo isso nos remete ao momento inicial do Cristianismo, caracterizado pela vida em comunidade (At 2, 44-45).

A proposta de renovação interior levou o cristianismo a difundir-se, ainda que perseguido pelos romanos. Os primeiros seguidores do Nazareno eram incompreendidos, levados à prisão e à morte, mas estavam convictos de que era imprescindível sentir compaixão pelo outro, mormente o mais necessitado. Res­pondiam com amor e ternura à violência que sofriam, com Jesus fizera.

Alimentavam quem tinha fome, vestiam os maltrapilhos, acolhiam o imigran­te, socorriam os doentes e visitavam os encarcerados. Cristãos veem no sofredor a imagem do Cristo (Mt 25, 34-40). Não há verdadeiro amor por Deus, mas só palavras vazias, se não amamos nossos irmãos seres humanos.

O sentido cosmopolita do Cristianismo superava os limites de uma etnia es­pecífica. A nova fé mostrava-se aberta, marcada pela inclusão, tanto das mulheres quanto dos estrangeiros e especialmente dos pobres, já que não havia distinção entre pessoas, porque todos eram um só em Cristo (Gal 3, 28).
Esta é vocação para a renovação interior a que Paulo respondeu. Infunde-nos a necessidade de transformar-nos cotidianamente, para experimentar na vida a Vontade de Deus (Rom 12, 2). É uma modificação da mente, do coração, da vida, que não aceita a violência, mas vive a paz e a misericórdia.

O Evangelho de Lucas contém uma das mais belas páginas de amor, ensinan­do a viver como um seguidor de Cristo. Ultrapassa-se o ideal religioso de impor-se pela violência. A compreensão e o perdão são os fundamentos da vida cristã. Con­quistam-se mais pessoas para o caminho pelo amor, com ênfase em fazer o bem aos inimigos. O Altíssimo é bondoso até para aqueles que lhe são maus e ingratos (Lc 6, 35). Jesus nos ensina que Deus não está em guerra com ninguém.

É estranho que nós confundamos hoje os ideais comunitários do Cristianismo com práticas individualistas, com o egoísmo, a violência e a segregação. Justifica­mos nossa espiritualidade como um encontro pessoal, esquecendo o compromisso de transformar nossos corações e nossas vidas, defendendo princípios que se afastam dos ensinamentos que difundiram e estruturaram esta religião.

A fé cristã se solidificou por meio do testemunho de pessoas que vivenciavam o crer em Cristo, assumindo – muitas vezes oferecendo a própria vida – a mensa­gem do Senhor. Como afirma Paulo, “já não sou eu quem vive, mas é Cristo quem vive em mim!” (Gal 2, 20).
A vida cristã é identificada com o compromisso com os valores anunciados pelo evangelista Mateus no capítulo vinte e cinco, onde associa o reino de Deus ao engajamento na defesa daqueles que sofrem.

Vida em comunidade, em que todos estamos a serviço do próximo. Nada de cuidar apenas da própria vida, deixando os outros à própria sorte.

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