Volto a falar sobre o filme “Nunca aos Domingos”, filmado pelo norte-americano Jules Dassin, na Grécia, após ter sido proibido de continuar exercendo sua atividade profissional nos Estados Unidos. Dassin também filmou em Paris o “Rififi”.
Em “Nunca aos Domingos”, Jules Dassin é o seu diretor e o ator principal, fazendo o papel de um pesquisador norte-americano, o Homero, que vai a Grécia investigar por que ali não surgem mais pensadores do padrão de um Platão ou de um Aristóteles. Fixa-se no porto do Pireu.
Ali não encontrou nenhum filósofo, mas sua atenção é atraída pela prostituta Ilia que trabalhava durante toda a semana na sua antiquíssima profissão, menos aos domingos, quando então se instalava num bar para beber e dançar com seus amigos.
O papel de Ilia foi protagonizado pela esposa de Dassin, que era grega, Melina Mercuri. Pelo seu trabalho em “Nunca aos Domingos”, Melina recebeu a palma de melhor atriz em Cannes. Depois foi eleita para o Parlamento, tornando-se a primeira mulher a ocupar o Ministério da Cultura. O filme é premiadíssimo. Interessa aqui a sua sequência final.
É dia de domingo. O bar está aberto com todos os seus conhecidos fregueses presentes. Ali também está Homero. Todos bem tristonhos. Não está ali o músico predileto, tocando seu “bouzouki”, o violão grego. Alguém diz a Ilia que o músico nega-se a se apresentar, refugiando num quarto dos fundos, quase chorando.
Ilia vai a sua procura, perguntando para o pobre músico porque não quer tocar seu instrumento. Como resposta, Ilia ouve que o norte-americano Homero perguntou-lhe se sabia o que era fusa, semifusa, colcheia ou semicolcheia. O músico disse que nunca havia ouvido falar naquilo. O norte-americano contesta dizendo-lhe que se não sabe o que é fusa, colcheia etc., não pode tocar música nenhuma.
Choroso, o músico diz para Ilia que nunca mais vai poder tocar seu instrumento porque confessa que não sabe o que é a tal danada da fusa, ou a tal da colcheia.
Ilia volta-se e pergunta ao músico se ele está ouvindo o trinado de um pássaro que canta lá fora. Sim, diz o músico. Ilia então acrescenta que o passarinho nada sabe de fusa e nem de colcheia e canta como canta maravilhosamente. A música é tocada por homens e pássaros que nascem com ela na alma.
Quem não tem a música na alma tem que aprender a linguagem definida pelos técnicos, passando a cantar ou tocar por meio das fusas ou das semifusas. O músico entende o que diz Ilia e toma seu instrumento e volta para o salão, encantando quem lá está.
Homero descobre assim que na Grécia ainda há filósofos Entre eles Ilia que consegue distinguir o conhecimento intuitivo do conhecimento científico. Os pássaros não apenas cantam mais também amam e constroem seus ninhos, alimentam seus filhotes, sem jamais passar por uma escola. É surpreendente ver um passarinho voar sem ter cursado a escola de pilotos!
O domínio das linguagens, intuitiva ou científica, aplica-se por toda a área do comportamento humano, até mesmo no âmbito da ciência jurídica. Quase todo homem comum comporta-se segundo as regras da lei, sem ter passado por uma faculdade. Muitas vezes conhece mais do que um doutor de leis!
Homero fica entusiasmado com a filósofa Ilia e dirige-se para ela dizendo que era um verdadeiro símbolo da Grécia.
Um dos presentes corrige Homero: Ilia não é um símbolo. É muito mais do que um símbolo. Ilia é uma mulher. Ponto final.