Por Mariane Morisawa, especial para o Estado
Prestes a completar 90 anos de idade, em maio, Clint Eastwood continua lançando em média uma produção a cada 12 meses A mais recente, com estreia no dia 2, é O Caso Richard Jewell, que se encaixa na sua leva de obras sobre heróis comuns e muitas vezes incompreendidos – seja o Chris Kyle de Sniper Americano ou o piloto Chesley Sullenberger em Sully.
Richard Jewell, vivido no filme por Paul Walter Hauser, foi o segurança tornado herói depois de encontrar a bomba plantada durante a Olimpíada de Atlanta, que matou duas pessoas e feriu 111 – se não fosse seu alerta, as vítimas teriam sido ainda mais numerosas. Mas, poucos dias após o atentado, foi acusado de ser o terrorista e teve sua vida destruída. “Eu perguntei a Clint Eastwood por que ele quis fazer este filme agora”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo a atriz Kathy Bates, que faz Bobi, a mãe de Richard Jewell. “E sua resposta foi que era um filme que gostaria de ver e que se tratava de uma tragédia americana.”
Eastwood é respeitadíssimo na indústria e vencedor de quatro Oscars, mas vez ou outra se envolve em polêmicas, seja por suas posições políticas conservadoras pessoais ou até mesmo pela temática de seus filmes – muita gente discorda que Chris Kyle tenha sido um herói, por exemplo. Em O Caso Richard Jewell, as reclamações vêm do retrato da repórter Kathy Scruggs, do Atlanta Journal-Constitution, responsável pela revelação de que Jewell tinha passado de herói a principal suspeito na investigação do FBI. No filme, Scruggs, que morreu em 2001 e é interpretada por Olivia Wilde, parece trocar por sexo a informação do agente do FBI Tom Shaw (Jon Hamm), um personagem fictício, amálgama de diversos investigadores do caso. O Atlanta Journal-Constitution protestou, mas Olivia Wilde, filha de jornalistas, declarou que jamais quis sugerir que Scruggs trocou a dica por uma relação sexual. Para ela, a repórter tinha um relacionamento prévio com sua fonte.
Em 1996, o ciclo de notícias de 24 horas, representado então pela CNN, estava começando a ganhar força. A Fox News seria fundada naquele ano. Na época do atentado, a CNN, cuja sede é em Atlanta, pegou a história publicada pelo Atlanta Journal-Constitution e a amplificou para o país e o mundo. Jewell foi de herói a vilão em questão de dias, apenas porque se encaixava no perfil do homem branco e frustrado – ele ainda morava com a mãe e tentou sem sucesso fazer parte da polícia.
“Os advogados envolvidos ficaram muito chocados com a velocidade”, contou Kathy Bates – no filme, Jewell é defendido apenas pelo excêntrico Watson Bryant (Sam Rockwell). As coisas cresceram exponencialmente desde 1996, com o ciclo cada vez mais veloz, num sistema formado pelos canais de notícias 24 horas, a internet e as redes sociais. “Quanto tempo leva para um boato acabar com a carreira de um senador ou de outra pessoa?”, perguntou Jon Hamm. “E esse constante estado de ‘te peguei!’ acaba prejudicando o debate, porque todo o mundo fica aterrorizado de dizer algo que seja tirado do contexto, inclusive em situações como esta entrevista”, completou. Indagado se tem medo de ser cancelado, ele respondeu: “Quem não tem? Parece ser tão arbitrário hoje em dia!”.
Hamm também apontou para o perigo do uso da expressão fake news. “Tudo pode ser chamado de ‘fake’, mesmo quando não é. Então estamos nesse mundo invertido, em que ninguém acredita em nada, e cada um tem suas crenças de acordo com o lado em que está e não ouve o outro”, afirmou o ator. “Mas eu acho que essa história tem apelo para ambos os lados, porque é sobre uma pessoa que foi colocada erroneamente numa lista.”
Por conta desse erro, o verdadeiro culpado, Eric Rudolph, cometeu outros três atentados terroristas. “Eu não entendo a cabeça de alguém que faz isso. Qual o sentido?”, questionou Hamm “O filme faz um belo trabalho em mostrar a celebração, a excelência e o esporte e, do outro lado, alguém tão ferrado da cabeça que coloca uma bomba lá.”
Depois da onda dos atentados dos anos 1990, que incluíram o primeiro do World Trade Center e o do Federal Building em Oklahoma, houve o 11 de Setembro. “Viver com medo é uma droga. É tão melhor viver sua vida em maravilhamento. Então esse talvez seja o grande aprendizado do filme: vamos ser mais como Richard Jewell, vamos melhorar”, disse o ator.
A esperança de Paul Walter Hauser, que roubou a cena num pequeno papel em Eu, Tonya e faz agora seu primeiro personagem principal, é que o filme tenha impacto. “Eu acredito que histórias podem corrigir erros, influenciar a cultura e mudar corações e mentes”, disse. Kathy Bates contou que repensou muito o propósito de sua carreira ao longo do tempo. “E não quero soar muito Pollyana, mas o que me faz continuar é ajudar a criar a empatia de que todos precisamos.” A atriz teve uma prova de que vale a pena quando se encontrou com Bobi Jewell – seu filho Richard morreu em 2007, aos 44 anos. “Ela é uma mulher cheia de opinião, mas ficou com os olhos marejados quando conversamos. A dor da injustiça ainda está muito viva mesmo depois desses anos todos. Foi bom vê-la andando no tapete vermelho na pré-estreia ao lado de Clint Eastwood.” Uma placa em homenagem a Richard Jewell vai ser inaugurada no local da explosão, o Centennial Park. É um passo adiante na recuperação da imagem de Jewell, ainda visto por muitos como o culpado.
Daí a importância de cineastas como Clint Eastwood. “Ele faz um cinema clássico, e não sei se esse tipo de longa vai estar sendo feito daqui 10 anos”, afirmou Sam Rockwell. Hamm emendou: “Especialmente num esquema de estúdio, com lançamento nos cinemas. Quase ninguém tem esse cacife ou a coragem, para ser mais preciso.” Mesmo com ressalvas, seus filmes são necessários
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.