Quando o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) revelou os melhores do ano nas 24 modalidades destacadas no Prêmio Paralímpicos, uma das vencedoras chamou especial atenção. Após oito anos de domínio do multimedalhista Daniel Dias na natação, desta vez a honraria foi para Maria Carolina Santiago. Com toda a justiça, diga-se de passagem.
A pernambucana de 34 anos nasceu com a síndrome Morning Glory, alteração congênita na retina que afeta a visão periférica do olho direito e só permite enxergar vultos com o esquerdo. Por conta do tipo de deficiência, atividades físicas de contato não eram recomendadas. A natação, portanto, surgia como opção.
O curioso é que o paradesporto só se apresentou a Carol no fim de 2018, quando ela passou a treinar no Grêmio Náutico União, de Porto Alegre. Até então, competia entre atletas sem deficiência, chegando até a vencer as provas de sprint (um quilômetro) e challenge (quatro quilômetros) no Rei e Rainha do Mar em 2014, no mar do Rio de Janeiro.
A estreia para valer no esporte adaptado foi em abril, no Open Paralímpico disputado no Centro de Treinamento Paralímpico de São Paulo. Logo de cara, Carol quebrou o recorde mundial dos 100 metros peito na classe S12 (baixa visão). Algo que a natação feminina do país não alcançava desde os Jogos Paralímpicos de Atenas, na Grécia, em 2004, oportunidade na qual Fabiana Sugimori estabeleceu a melhor marca dos 50m livre na classe S11. Foi só um “aperitivo” do que viria depois: Quatro ouros nos Jogos Parapan-Americanos de Lima, no Peru, e três medalhas (dois ouros e uma prata) no Mundial de Natação de Londres, na Inglaterra.
O prêmio de melhor atleta de 2019 da natação paralímpica para o “furacão” Carol é ainda mais significativo quando se observa que a temporada de Daniel Dias, indicado ao prêmio de Atleta Masculino do Ano, também foi muito boa. Mesmo com as mudanças na classificação funcional da modalidade, que trouxe atletas de classes maiores (portanto, com grau de deficiência menor) às mesmas disputas que o brasileiro, subiu quatro vezes ao pódio no Mundial (um ouro, uma prata e dois bronzes), chegando a 40 medalhas na história da competição, e ainda voltou de Lima com seis ouros (somando o total de 33 em Parapans).
Só que Carol não foi a única novidade na premiação. Oito das 24 modalidades (1/3, portanto) tiveram um ganhador inédito. Além da pernambucana, também “estrearam” Vivi Almeida (basquete em cadeira de rodas), Raimundo Nonato (futebol de 5), Bira Magalhães (futebol de 7) Meg Emmerich (judô), Paulo Salmin (tênis de mesa) e Alexandre Galgani (tiro esportivo). Vale destacar a premiação a Nonato, artilheiro no título da Copa América de futebol de 5 (nos oito anos anteriores o posto de melhor da modalidade era “revezado” entre os astros Jefinho e Ricardinho).
E não se pode esquecer, claro, de Beth Gomes, eleita a atleta do ano entre as mulheres pela primeira vez. O feito coroa uma temporada marcada pelos ouros no lançamento de disco, tanto no Parapan como no Mundial de Atletismo, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, com a quebra (a terceira em 2019) do recorde mundial na classe F52 (para cadeirantes).
Nascida em Santos, no litoral paulista, ela foi diagnosticada com esclerose múltipla aos 27 anos. A doença obrigou Beth a deixar o trabalho e a carreira no vôlei, mas o esporte adaptado deu-lhe uma nova perspectiva de vida. Primeiro, no basquete em cadeira de rodas, onde chegou a defender a seleção brasileira. Depois no atletismo, onde deslanchou de vez. Aos 54 anos, é uma das grandes esperanças de pódio (quiçá ouro) nos Jogos de Tóquio, no Japão.
Referências são fundamentais no esporte. São espelhos para aqueles que sonham com uma carreira de atleta. Não é diferente no paradesporto. Daniel Dias, por exemplo, já disse diversas vezes que sua motivação para apostar na natação foi ter visto o “tubarão” Clodoaldo Silva abocanhar seis medalhas de ouro na Paralimpíada de Atenas. Há alguns anos era possível contar nos dedos os atletas paralímpicos reconhecidos pelo público e até mesmo pelos praticantes de modalidades adaptadas. Hoje, é comum acompanhar um campeonato de judô para cegos e ouvir de uma atleta de 11 anos que Lúcia Teixeira, duas vezes medalhista paralímpica, é sua inspiração. Ou ver Alana Maldonado, campeã mundial no ano passado, ser tietada por fãs, esportistas ou não.
Quanto mais atletas se destacam nacional e internacionalmente, mais referências surgem às novas gerações. Até por isso, é salutar observar que a “concorrência” pelo posto de melhor atleta do país nas diferentes modalidades paralímpicas começa a ficar mais intensa e interessante. Renovar é preciso e faz bem. Para quem chega e para quem já vive o movimento.