A prefeitura de Ribeirão Preto vai tentar alterar a Lei Orgânica do Município (LOM) – a “Constituição Municipal” – para evitar que a extinção do Departamento de Água e Esgotos (Daerp) e sua transformação em secretaria municipal seja questionada no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) por meio de ações diretas de inconstitucionalidade (Adins).
A lei número 3.091/2021, que prevê a extinção do Daerp em 31 de dezembro deste ano e a transformação da autarquia em Secretaria Municipal de Água e Esgoto, foi sancionada pelo prefeito Duarte Nogueira (PSDB) na segunda-feira, 27 de setembro, conforme publicação no Diário Oficial do Município (DOM).
A prefeitura de Ribeirão Preto já enviou para a Câmara de Vereadores o projeto de proposta de emenda à Lei Orgânica do Município que altera o inciso 1 do parágrafo 2º do artigo do 160 da LOM. O item determina que a captação, tratamento, condução, distribuição e fornecimento de água potável e a coleta, condução, tratamento e destinação final dos esgotos só podem ser realizados por entidade da administração indireta do município.
Ou seja, por uma autarquia, como é o caso do Daerp. Significa que a criação da Secretaria Municipal de Água e Esgoto, como defende o Palácio Rio Branco, sem a alteração da Lei Orgânica do Município, seria ilegal, já que as pastas fazem parte da administração direta. Na proposta, a prefeitura inclui no inciso a possibilidade da administração direta também poder realizar os serviços de água e esgoto.
Assim, a criação da secretaria seria legal. Propostas de emenda à Lei Orgânica do Município precisam ter suas ementas publicadas no rodapé das pautas de três sessões ordinárias. Depois, precisam ser votadas em duas sessões extraordinárias – com intervalo de dez dias entre elas – e com exigência de maioria qualificada, ou seja, dois terços dos votos. No caso de Ribeirão Preto, que tem 22 vereadores, serão necessários 15 votos.
A proposta da prefeitura já foi publicada no rodapé da sessão de terça-feira (28) e depois de mais duas publicações estará apta para ser votada em plenário em 7 de outubro, quinta-feira da semana que vem. Na segunda-feira, o desembargador Fernão Borba Franco, da 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), autorizou a extinção da autarquia. A decisão atende recurso de apelação impetrado pela prefeitura.
Segundo o Palácio Rio Branco, até o final de dezembro serão feitas as alterações necessárias para a transformação do Daerp em secretaria. O governo ressalta que os serviços de água e esgoto do município continuam com a mesma estrutura, administrados diretamente pela prefeitura, “permitindo maior agilidade e adequação à política e às novas diretrizes do Marco Regulatório do Saneamento Básico”.
Os serviços prestados pelo Daerp serão operados pela nova secretaria, que vai incorporar a estrutura e o quadro de funcionários da autarquia municipal. A lei sancionada estabelece, ainda, que até o final do processo de transição, as dívidas existentes entre o município e o departamento terão que ser quitadas.
O projeto foi aprovado pela Câmara em 22 de abril. Porém, no mesmo dia, a juíza Lucilene Aparecida Canella de Mello, da 2ª Vara da Fazenda Pública, concedeu liminar em mandado de segurança proposto pela vereadora Duda Hidalgo (PT), suspendeu a tramitação do projeto e considerou nulo todo o processo legislativo.
A decisão em primeira instância impediu a sequência do trâmite legislativo do projeto e, como conseqüência a sanção do prefeito Duarte Nogueira. Duda Hidalgo questionou a votação em plenário. Segundo a parlamentar, a proposta deveria seguir as regras da Lei Orgânica do Município.
Ou seja, deveria ter sido votada em duas discussões – com intervalo de dez dias entre cada sessão – e com exigência de maioria qualificada de votos (dois terços favoráveis). Em agosto, a juíza Lucilene Aparecida Canella de Melo considerou a votação nula.
Segundo a magistrada, o processo legislativo determina que as leis elaboradas por qualquer um dos entes que compõem a Federação – União, Estados e Municípios – devem ser feitas em conformidade com o previamente descrito na Constituição Federal, na Constituição Estadual ou na Lei Orgânica Municipal, respectivamente.
Autora do mandado de segurança contra a extinção do Daerp, Duda Hidalgo afirma que a legislação sancionada é “absurda e ilegal” e abre as portas para a terceirização. “Estou em contato direto com o Sindicato dos Servidores Municipais, com os funcionários e as funcionárias do Daerp e com nossas advogadas para elaborar um plano de ação e definir os próximos passos”, diz.
O Sindicato dos Servidores Municipais de Ribeirão Preto, Guatrapará e Pradópolis (SSM/ RPGP) afirmou ao Tribuna que está estudando o assunto e deverá entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade junto ao Tribunal de Justiça.
Um especialista em Direito Público afirma que a transformação também poderá facilitar aos prefeitos que governarem a cidade o repasse de recursos da secretaria a ser criada para outras pastas, por meio de remanejamento de dotação orçamentária. Hoje isso não é possível porque como autarquia o Daerp possui personalidade jurídica própria e autoadministração, desde que permaneça dentro dos limites da lei que regula as autarquias.
Um dos principais argumentos da prefeitura para a transformação do Daerp em secretaria é a de que com a mudança ele não poderá ser privatizado no futuro. O Daerp é especializado em saneamento básico e conta com controle financeiro próprio. Tem cerca de 204 mil ligações de água e uma previsão de receita para este ano de R$ 332 milhões.
Opera 120 poços que abastecem a cidade. São cerca de 770 funcionários e uma folha de pagamento mensal em torno de R$ 3,9 milhões. No ano passado, segundo dados do site da autarquia, arrecadou R$ 281 milhões contra uma previsão de receita de R$ 328 milhões. A inadimplência atual do Daerp é de aproximadamente de 25%.