É impressionante como conseguimos montar uma rotina nova quando assim necessitamos, abandonando velhos hábitos e adotando outros que passam a fazer parte do nosso dia a dia. Penso nisto quando chego a mais de 60 dias de isolamento forçado pela pandemia de coronavírus. É bem verdade que confinado a uma casa, num condomínio privilegiado, tenho muito verde e muitos ares como companhia. Dá até para uma solitária caminhada todos os dias, aspirando a natureza e tomando o sol tão necessário.
Penso em outras experiências: os astronautas, que permanecem sozinhos nas cápsulas espaciais, os velhos marinheiros da Idade Média, que se lançavam ao mar desconhecido, balançando continuamente dentro de suas naus precárias, sem saber a que porto chegariam. O homem é gregário por natureza, necessita viver em sociedade onde atinge sua plenitude de humano. Mas, tem forças internas que aciona quando precisa ficar sozinho.
A mente humana tece protocolos de segurança quando necessários. E a tecnologia conecta-o com seus semelhantes. Que alegria ver os filhos e netos nas telas dos computadores e IPhones, participar de decisões empresariais à distância, visitar museus, exposições sem sair de casa. Antes da pandemia, estas atitudes eram consideradas exceção e agora são a regra. Adaptamo-nos rapidamente a uma nova realidade, que se nos introjeta e parece que a nova rotina sempre existiu dentro de nós.
Milhões de anos conquistando o mundo nos ensinaram que mudar e adaptar são o grande diferencial dos humanos. Não esmorecemos ante as dificuldades e damos sempre um jeito de nos reinventar. Esta pandemia que assola o mundo e é perigo e desafio universais disparou nossas armas internas e nos preparou para a nova realidade. Nossa natureza adaptativa fala mais alto. E criamos novas rotinas.
Leituras, filmes, séries preenchem o nosso vazio forçado. Temos tempo para meditação, depois de vivermos um corre-corre no dia a dia. Valorizamos mais as coisas imateriais. Nossa roupa, nossos calçados perdem um pouco a utilidade que tinham, pois só precisamos nos mostrar a nós mesmos. As aparências sociais que às vezes nos escravizavam não existem por ora. O que vale mesmo é ser e não parecer.
Esta pandemia nos trará crescimento interno. Estamos lutando nossa batalha pela vida, ameaçada por um vírus invisível, mas mortal. Passamos a preencher nosso tempo com questões importantes, indagações filosóficas que só nos engrandecem. Passamos a valorizar bens imateriais que nos cercam, mas que não os víamos ou os observávamos dentro de uma nuvem de desconhecimento. Os amigos distantes vivem perto de nós, na nossa lembrança e nos damos conta de quanto deles necessitamos. Quando um familiar ou amigo próximo anuncia ter sido infectado, nossas preocupações crescem como onda gigante. Apesar de solitários, somos solidários como nunca.
Começamos a ver o invisível. Há quanto tempo não sentava na varanda de casa para observar o vento balançando as árvores, os pássaros cantando, os saguis correndo pelo telhado. Quantas flores descobri em meu jardim. Quanto tempo perdi em não notar o redor. Aprendi a valorizar o tempo, não como um instrumento de controle de minhas ações, sempre apertado, mas como momentos de ócio que nos confortam.
Estes tempos ruins passarão e lentamente iremos retomar nossa rotina anterior. Porém, com mudanças que nasceram deste nosso isolamento. Nossa experiência única com esta pandemia nos fará crescer, seguramente.