Um dos obstáculos ao empreendedorismo no Brasil é o risco de exposição patrimonial ao qual os empreendedores se submetem ao constituir uma sociedade empresária. É comum que sócios e administradores respondam por atos fraudulentos ou abusivos cometidos por seus antecessores, o que deveria ser responsabilidade exclusiva destes, e vice-versa. Pessoas que não deveriam ser responsabilizadas sofrem com a aplicação indiscriminada de institutos jurídicos por autoridades judiciárias, o que é um baita desincentivo à abertura de novos negócios no país.
A existência de um repositório público, de acesso e consulta facilitada, que apontasse com clareza a cronologia das alterações do Quadro de Sócios e Administradores (QSA) ajudaria a solucionar esse problema.
A curta, porém, competente passagem de Allan Turano na Diretoria do DREI – Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – trouxe como novidade a Certidão de Linha do Tempo do QSA que indicará, basicamente, as datas de cessão de quotas entre atuais sócios, ex-sócios e novos sócios, retirada ou exclusão de sócios, eleição, destituição e renúncia de administradores. Essa nova ferramenta utilizará informações que já existem na base de dados das Juntas Comerciais e da Receita Federal (RFB), contribuirá tanto para a redução de decisões judiciais prejudiciais ao mercado quanto para a redução dos custos de transação em investimentos, aquisições e reorganizações societárias no Brasil. É o que propõe a Instrução Normativa DREI n. 88, de 23 dezembro de 2022.
A chamada certidão de “Linha do Tempo do QSA” deixa evidente a preocupação do DREI com o estímulo ao empreendedorismo e atende uma demanda prática da advocacia empresarial e dos contadores já que a nova certidão irá resumir informações em um único documento e poupar tempo revelante, pois para obter todo conteúdo de informações da linha do tempo do QSA os interessados precisam cruzar todo o histórico de atos societários arquivados na Junta Comercial pela pessoa jurídica.
Além do tempo dispendido, há considerável redução de custos financeiros. Isso porque, à exceção, exclusiva, da Junta Comercial do Estado de São Paulo, o acesso aos atos societários para mera consulta é condicionado ao pagamento de taxa, que varia de acordo com cada estado da federação ou Distrito Federal. A título de exemplo, a emissão de uma única certidão de inteiro teor pode custar R$ 153,65 na Junta Comercial do Espírito Santo e R$ 208,00 na Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro, os dois maiores preços no Brasil.
Na agenda proposta pelo então diretor do DREI, Allan Turano, há ainda a implementação pelas Juntas Comerciais de outra ferramenta para disponibilizar outras informações úteis ao mercado, como existência de ônus impostos, voluntariamente ou por decisão judicial, às quotas ou ações (como alienação fiduciária ou penhor), aos sócios (como penhora de participações societárias ou de dividendos) ou à sociedade empresária (como penhora de faturamento ou estabelecimento).
Essa medida também contribuirá para maior transparência da situação econômico-jurídica dos negócios, reduzindo os custos de transação decorrentes da necessidade de extensos procedimentos de auditoria jurídica (due diligence) para aquisição ou reorganizações societárias, facilitando e estimulando o processo de abertura e alteração de empresas pelos próprios administrados.
Fica a expectativa de continuidade da agenda, eis que são medidas totalmente favoráveis ao ambiente empresarial em todas suas ramificações (administrativas, jurídicas, contábeis, operacionais).
Bruno Camargo é advogado, sócio da Camargo Silva Consultoria. Professor de Direito Empresarial e Processual. Jornalista. Palestrante. Articulista. Mestrando em Direito pela Universidad Europea Del Atlántico (Espanha). Especialista MBA em Gestão de Negócios pela USP; Especialista em Direito Processual pela PUC-MINAS. Reprodução: Gazeta de S. Paulo.