A Île de la Citê, uma ilha fluvial no rio Sena, no coração da cidade, traz consigo uma história de mais de 2.000 anos, iniciada quando a tribo celta dos Parisii nela ergueu um assentamento. A povoação teve crescimento lento e, em 52A.C é tomada pelos romanos, que a denominam Lutécia e expandem seu tecido urbano pela margem esquerda do rio. Com a queda do Império Romano, os francos ocupam a região e, em 506, o rei Clovis I transforma a cidade em capital do Reino dos Francos com seu nome atual, Paris.
Hoje, a ilha está quieta e deserta, em decorrência do coronavírus, mas sempre foi vibrante e pujante, exalando história e glória, glória que começa mesmo antes de se nela adentrar. O visitante que venha da margem direita pela Pont Saint Michel, observa à sua esquerda o majestoso Hotel de Ville, a Prefeitura de Paris desde 1357. O antigo prédio deu lugar a um novo palácio no século XVI, que retém até hoje as formas originais, apesar de constantes remodelações. Cruzado o Sena, começam as ruas cheias de lojas de souvenirs.
A primeira atração é o Mercado das Flores. É uma delícia caminhar pelos estandes cheios de flores e plantas, observar o verde clarinho das mudas europeias e absorver o perfume que se exala. Parisienses estão sempre comprando flores soltas e mudas, num microcosmo refinado e diferenciado. Caminhando por suas ruas, chega-se ao Palácio da Justiça, localizado no antigo Palácio Real, que funcionou do século X ao século XIV e do qual guarda dois remanescentes: a Conciergerie, prisão onde Maria Antonieta passou seus últimos dias, antes de ser guilhotinada e a Saint Chapelle, erigida pelo rei São Luís no século XIII e que, até hoje, com seus vitrais coloridos e suas formas etéreas, nos conduzem a uma contemplação espiritual sem precedentes. Dessacralizada, hoje é palco de concertos e espetáculos.
O Palácio da Polícia, ao lado, tem seu grande destaque, pois foi ali que, em agosto de 1944, iniciou-se a retomada de Paris dos alemães, num episódio de valentia e patriotismo. É emocionante notar, nas paredes do velho edifício, várias plaquetas de mármore, com a inscrição: “Aqui tombou fulano de tal pela liberação de Paris”, bem como a placa que marca o local onde uma mensagem embrulhada numa pedra lançada de um avião avisava: “Parisiens, tenezbon. Nousarrivons” (Parisienses, aguentem. Estamos chegando). A exortação era assinada pelo general francês Leclerc, designado pelos aliados para comandar as tropas que liberaram Paris e que já estavam às bordas da cidade quando os policiais se rebelaram.
Finalmente, a joia da coroa, a Catedral de Notre Dame. Estas memórias me afloraram ao ler o pequeno livro editado pelo grande escritor britânico Ken Follet, logo após o incêndio que a destruiu parcialmente, em 2019, e recém traduzido no Brasil, “A Catedral de Notre Dame”.
Reza-se no local da Notre Dame há 2.000 anos, mas a primeira catedral começou a surgir em 528, em estilo românico, derrubada em 1163 para no local ser erigida a magnífica igreja em estilo gótico, com suas torres e suas rosetas de vidro colorido, o monumento mais impressionante de Paris. A pequena obra de Follet merece nossa leitura, pois mostra as dificuldades de se construir uma catedral há mais de 800 anos e os esforços de milhares de homens que se dedicaram à tarefa como uma forma de engrandecer e agradecer a Deus. O incêndio destruiu parte da obra, mas não o seu simbolismo, que renascerá rapidamente para coroar esta ilha tão importante para Paris e para a humanidade.