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Nos ombros dos gigantes

Há muitos anos perguntaram a um grande pensador se o seu conhecimento já havia ultrapassado os limites alcançados pelos sábios Platão e Aristóteles.

O sábio respondeu afirmativamente, reconhecendo que a sua cultura já se encontrava muito além dos limites atingidos pela sabedoria grega. Esta afirmação não seria uma estúpida jactância ou um grave atrevimento?

– Não há nenhum exagero, respondeu o sábio. Eu sou um anão perto dos gregos. Portanto, para ampliar meus conhecimentos, subi nos ombros do Platão e de Aristóteles e consegui enxergar o mundo numa distância que eles jamais poderiam alcançar em seu tempo. Confesso, ainda disse ele, se eu não tivesse subido nos ombros dos gigantes, jamais teria percebido a realidade de hoje valendo-me apenas dos meus olhos.

Os livros batizaram o episódio com o nome de “Nos Ombros dos Gigantes”. Existe aí ainda uma discordância quanto a origem. Uns afirmam que a frase é de Newton, outros discordam susten­tando que é de Bernardo de Chartres que, no século XII, confessou que ele e seus colegas eram “anões sobre os ombros dos gigantes”. Assim registrou Peter Burke em seu livro “O Polímata”.

No bairro judeu de Praga há uma estátua de ferro de um homem nos ombros de outro homem. Os dois estão vestidos com roupas dos nossos dias. Mas há uma diferença.

O homem sobre os ombros tem os caracteres dos homens comuns. O outro homem, que figura como o carregador, não tem rosto, significando que nos nossos dias somos os anões que para aperfeiçoara nossa sabedoria subimos nos ombros de gigantes cegos. Não conseguimos mais identificar onde se encontram os ombros de Platão ou de Aristóteles, mas sim os ombros de um des­conhecido que não tem nem olhos e nem boca. A estátua de Praga pode ser examinada hoje pois está reproduzida na internet.

Em Praga, perguntei a alguém se aquela estátua era do grande escritor Franz Kafka que ali havia nascido. Nos livros “A Metamorfose” e o “Processo”conseguiu retratar duramente o mundo moderno.

– A estátua não é de Kafka, respondeu. A estátua representao homem atual que conseguiu subir nos ombros de um gigante, sem rosto, sem olhos e sem qualquer direção.
Georg Lukács, também escritor, profetizou que a história esta­ria transformando o homem num objeto e o objeto num homem. Induvidosamente, sob o dilúvio da pandemia, a civilização dos anões conseguiu enterrar muitas das conquistas dos gigantes do passado. Os objetos valem hoje muito mais do que os homens.

Não seria difícil encontrar um argumento consequencialista: ”todos aqueles que não pensam como nós não são nossos adversários, mas, sim, nossos inimigos, merecendo por isso serem esmagados”.

Observa-se o retorno ao tribalismo, ensejando até mesmo a politização da vacina contra a pandemia. Enquanto evolui o falso debate, são assassinados milhares de homens, mulheres e crianças. Nem a morte traz hoje uma gota de emoção e nem um pingo de lágrima, salvo se a perda for de algum objeto. Não são mais encon­trados os ombros dos gigantes.

Ouve-se solitariamente a voz do Papa Francisco que, em via­gem por terras arábicas, insistiu em dizer que o homem é irmão do homem não seu inimigo e nem o seu fantasma, qualquer que seja a visão de cada um.

O seu hipotético adversário não é seu inimigo, mas, sim, o espelho de sua existência que, se for quebrado, jamais poderá transmitir a sua imagem nem o seu sorriso. Nem muito menos a sua última lágrima.

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