Sérgio Roxo da Fonseca *
[email protected]
A história registra que Bernardo de Chartres lecionava que seus contemporâneospouco sabiam da inteligência humana. Eram verdadeiros anões. Mas, o pouco que sabiam, já era suficiente para subir nos ombros dos gigantes, conseguindo assim ver mais longe.
A questão foi posta também Isaac Newton. O seu saber conseguiu ir além do conhecimento dos pensadores gregos e romanos da antiguidade?Newton teria respondido que enxergava além dos sábios porque subia nos seus ombros para ver mais longe.
Surgiu assim a expressão referida à extensão daqueles que sobem nos ombros dos gigantes do passado, valendo-se, portanto, de sua extraordinária sabedoria, para ver muito além dos que foi possível Platão e Aristóteles enxergar.
O jornal “Folha de São Paulo” de domingo, 02.02.02, publicou na sua extraordinária “Ilustradíssima”, uma extensa matéria sobre o judeu austríaco Franz Kafka. Ali está até mesmo a estátua de um homem sobre os ombros de outro, não dotado de rosto e nem de mãos. Estive naquela praça que fica no bairro judeu bem próximo da ponte construída sobre o Rio Moldava. Peço licença para fazer algumas considerações.
Muito embora as músicas descritivas não recebam grandes aplausos, “O Moldava” de Smetana, desenhando hipoteticamente o rio desde o seu nascimento até sua foz, remete a memória do ouvinte até Praga. Levando-o até mesmo às margens do Rio Moldava que ali está para documentar a música de Smetana.
A obra de arte, qualquer que seja, sempre vai além dos limites indicados pelos seus mais preparados estudiosos. É impossível reduzir ao conhecimento matemático todas as obras dos mais variados criadores, revelando limites de suas obras segundo esta ou aquela corrente.
Defronte da imagem do homem sobre os ombros de outro homem, como a estátua de Praga, publicada pela Folha de S. Paulo, torna-se difícil afirmar que aquela é a imagem de Kafka, contra, provavelmente, aqueles que enxergam o grande escritor na figura daquele outro desprovido de rosto que tem nos ombros a primeira figura.
Kafka subiu nos ombros do gigante cego ou já cego carrega nos ombros a estampa daquele que supostamente necessita estar ali para veralém do seu horizonte? A resposta de cada um é de cada um. A fotografia da estátua encontra-se na internet.
Uma das cenas por ele narrada mostra o infinito limite da vida humana. Um homem é investigado por policiais em sua casa que subtraem peças de sua roupa. Ao ser interrogado pelo juiz, o investigado reclama que teve parte de suas roupas subtraída pelos funcionários do julgador.
Dias após, o investigado ao sair do seu trabalho, ouve barulhos estranhos vindo de uma das salas. Abrea porta e se espanta ao ver um carrasco espancando os investigadores que subtraíram sua roupa.
Pergunta ao carrasco o que é aquilo e recebe como resposta que estava cumprindo a condenação daqueles ladrões. Aquele homem pede ao carrasco que pare de espancar os ladrões, dando a ordem na qualidade de vítima.O carrasco responde que vai continuar espancando os ladrões por duas importantíssimas razões.
A primeira: se parar de espancar estará violando a ordem do juiz, sabendo bem que quando o fato for apurado, o juiz dará ordens para que outro carrasco venha espancá-lo. O carrasco esclarece que quer bater mais que não quer apanhar.
A segunda: o carrasco afirma que é carrasco e que, portanto, é pago para bater. Conclui: sou pago para bater, então bato.
* Advogado, professor e procurador de Justiça aposentado