Doenças comunicáveis, como as pandemias, existem desde os tempos em que a espécie humana era essencialmente caçadora e predadora. Mas foi somente há dez mil anos, aproximadamente, quando o homem começou a viver em comunidade, e domesticar animais, que os surtos de doenças como, por exemplo, malária, tuberculose, lepra, influenza, sarampo e outras, apareceram. Nós, humanos, na ocasião, tínhamos pouca, ou nenhuma, imunidade aos vírus e bactérias destas e, certamente, nenhum conhecimento de como eles poderiam se disseminar tão facilmente. Ninguém, por volta de 1000 a.D, poderia imaginar que eram microrganismos que causavam essas doenças. O que se verificou, desde então, foi que, quanto mais interativas as civilizações se tornavam, formando cidades e estabelecendo rotas comerciais, tanto maior era a probabilidade de se aumentar a pandemia.
Já na Modernidade, quando as pessoas passaram a se mover rápida e regularmente, vivendo em cidades densamente povoadas, esses são fatores que aumentam o risco e a disseminação de vírus. Ao lado disso, a rapidez do processo de comunicação, praticamente em tempo real, faz com que a mídia superdimensione o risco de pânico, levando pessoas, que possam estar infectadas, a viajarem de um local a outro, numa tentativa de evitar a doença. Porém, ao contrário, esse deslocamento só contribui, sim, para a disseminação do vírus. A rigor, em casos de pandemias, meses ou anos se passam antes das vacinas se tornarem disponíveis. Mesmo no cenário altamente tecnológico no qual estamos inseridos. Nesse meio tempo, clínicas e hospitais podem estar sobrecarregados, fato, este, que pode ser acompanhado pela falta de recursos humanos para fornecer serviços sociais, devidos tanto à demanda quanto à doença.
Na realidade, estudiosos da trajetória das pandemias, como a atual, da covid-19, entendem que nossos comportamentos aumentam as possibilidades de surtos pandêmicos, tornando-a um evento quase catastrófico. Muitos de nós tentamos lidar com crenças inverídicas sobre saúde e doença. De tal modo que, em assim o sendo, elas apenas potencializam os medos, a ansiedade e a vulnerabilidade humanos, levando-nos até mesmo a disseminá-la, inconscientemente, de forma veloz. Em outras palavras, estas práticas não saudáveis de saúde podem, ironicamente, espalhar a pandemia para todo o globo. Como estamos claramente observando com a covid-19, as pessoas não têm imunidade pré-existente aos patógenos que causam as pandemias. Tratamentos medicamentosos eficientes não estão disponíveis de imediato. No Brasil, particularmente, a insistente oferta do Ministério da Saúde (atualmente militarizado), da cloroquina e hidroxicloroquina, a despeito de evidências médicas e científicas recomendando o não uso das mesmas, são exemplos claros de medidas inapropriadas que mais vem para prejudicar do que ajudar a humanidade. Vacinações, se disponíveis, e métodos comportamentais, como uso de máscara e quarentena, são intervenções de primeira linha para reduzir a morbidade e a mortalidade de um povo.
Métodos comportamentais, a saber, formas de controle e supervisão de comportamentos, incluem, também, práticas higiênicas, como lavar as mãos, e distanciamento social, como evitação de grandes aglomerações sociais. Curiosamente, agências de saúde pública, têm destinado poucos recursos para lidar especificamente com os fatores psicológicos que influenciam as reações emocionais relacionadas a uma pandemia. Algumas destas são: medo, ansiedade, estresse e problemas comportamentais como não aderência às práticas higiênicas e de isolamento social, evitação e estigmatização das pessoas infectadas.
Autoridades sanitárias negligenciam os fatores psicológicos relacionados às infecções pandêmicas. Mesmo embora haja imensa literatura científica indicando que esses fatores são os mais importantes na ausência de medicamentos e vacinas eficazes. Esses fatores, muitas vezes, desempenham papel vital, como, por exemplo, na aderência à vacinação (se houvesse) e no distanciamento social (ver caso de São Paulo decretando feriados prolongados), ambos os quais sendo comportamentos essenciais para contenção da disseminação da infecção. Especialmente, até a não aderência à vacinação contra a covid-19, quando esta houver, constituir-se há em grande problema mesmo durante a pandemia.
Assim, métodos comportamentais são ferramentas legítimas para manipular os variados problemas sociais associados às sequelas decorrentes de surtos pandêmicos de tal magnitude. Creio que as autoridades de saúde, sejam elas municipais, estaduais ou nacionais, deveriam atentar mais intensa e detalhadamente às ferramentas comportamentais como endo, no momento, as mais eficazes na ausência de vacinas, medicamentos e tratamentos para tal. Estas últimas por certo serão encontradas, mas o tempo que levará para serem reais não será breve, e a luta em prol da vida continuará.