Para a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), dor é uma experiência sensorial e emocional desprazerosa associada com lesão tecidual real ou potencial, ou descrita em termos de tal lesão. Por sua vez, dor neuropática (NeP) é definida como a dor iniciada ou causada por uma lesão primária ou disfunção no sistema nervoso central ou periférico. A dor neuropática é comum numa variedade de desordens incluindo neuropatia diabética, neuralgia trigemional, neuralgia pós-herpética e lesões da coluna espinhal, entre outras.
A dor neuropática crônica, a dor neuropática mista e as síndromes nociceptivas (MP) podem explicar, no mínimo, 25% das visitas dos pacientes a maioria das clínicas de dor. Sabe-se que, geralmente, a NEP é extremamente difícil de tratar e um grande fator impactando os desfechos é a presença de comorbidades. Pacientes com dor persistente experenciam incapacidades no trabalho e limitações de suas atividades, o que, por sua vez, tem impacto substancial no seu funcionamento social. Ademais, indivíduos com dor neuropática são mais prováveis de ter outros tipos de desordens associadas, tais como ansiedade, depressão, perturbação no sono, entre outras, que interferem com sua vida social e identidade pessoal.
Entretanto, apesar dessas relações comórbidas, a associação entre dor neuropática e função cognitiva não têm sido frequente e adequadamente estudada, sendo pouco conhecido o funcionamento cognitivo nas condições neuropáticas. Importa mencionar, também, que, dor neuropática, associada com deficiências cognitivas, podem impactar o comportamento cotidiano e interferir com as tarefas de tomada de decisão emocional. Considerando isso, estudos recentes têm analisado a prevalência das disfunções cognitivas em diferentes tipos de dor neuropática. Arbitrariamente, escolhi dois destes estudos para destacar essas associações.
No primeiro estudo, realizado por Povedano e Colaboradores (Journal of Pain and Sympton Management, 2007, 33(1), explorou-se a prevalência da incapacidade cognitiva (IC) quando esta era avaliada por um Mini Exame do Estado Mental (MMSE), em pacientes com NEP e MP. Um total de 1519 pacientes, com idade ≥ 18 anos, foi submetido ao questionário de dor McGill e ao MMSE. Os resultados revelaram que a prevalência de IC foi substancialmente mais elevada em pacientes com NEP do que os indicadores de incapacidade registrados na população em geral, e significativamente mais elevada em pacientes com dor neuropática mista e dor nociceptiva. Ademais, a prevalência da incapacidade cognitiva aumentou com a idade, sendo 32,2% naqueles com NEP e de 28,2% naqueles com síndromes mistas, para o gruo etário ≥ que 75 anos de idade. Sintomas de ansiedade e obesidade, bem como, de depressão, também foram associados com uma alta prevalência de IC.
No segundo estudo, publicado em 2018 na Pain Medicine (19: 499-510), por Ojeda et al, avaliou-se o desempenho cognitivo em pacientes diagnosticados com três tipos de dor, a saber: dor neuropática, dor músculo-esquelética e fibromialgia. Duzentos e cinquenta e quatro pacientes foram incluídos no estudo, com uma escala conhecida como Teste Sua Memória usada para avaliar a função cognitiva dos mesmos. A intensidade da dor foi avaliada pela Escala Visual Analógica, aplicada juntamente com uma Escala de Ansiedade e Depressão – que avaliou o estado mental – e uma Escala para avaliar a Qualidade do Sono. Como resultado do teste de memória, o escore foi significativamente menor (piora na função cognitiva) nos pacientes com dor crônica do que nos pacientes-controle. Nas análises separadas para cada grupo de dor, depressão foi observada ter impacto negativo nos pacientes com dor músculo esquelética e com fibromialgia. Interessante foi que uma associação em forma de U foi encontrada entre a duração da dor e o desempenho cognitivo nos pacientes com dor neuropática.
Considerados juntos, os resultados de ambos os estudos parecem mostrar uma alta prevalência de incapacidade cognitiva em pacientes com dor neuropática, prevalência, esta, que aumenta com a idade e acarreta sintomas de ansiedade e depressão, além de outras comorbidades que prejudicam e impactam o funcionamento social e emocional dos pacientes.