Tribuna Ribeirão
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Neurociência da vida cotidiana (8): Insônia 

José Aparecido Da Silva* 

Insônia é uma das desordens mais comuns do sono que tende a ser persistente, ou recorrente, afetando aproximadamente 9-10% dos adultos na população geral e, além disso, tem um impacto significativo tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Segundo os critérios diagnósticos baseados na Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono (ICDS, na sigla em inglês) um diagnóstico de insônia é feito quando um indivíduo tem problemas para dormir e permanecer dormindo, ou quando vivencia despertar no meio da madrugada mais que três vezes por semana, por mais de três meses, ambos os casos acompanhados de pobre qualidade de sono e por disfunções diurnas. Dentre os sintomas, torna-se necessário constatar a presença de pelo menos um dos seguintes indicadores diurnos associados à queixa do sono: fadiga, déficit de atenção, concentração ou memória, prejuízo no desempenho social ou profissional; presença de alterações de humor, queixa de sonolência diurna, redução de motivação, energia ou de iniciativa; predisposição para erros ou acidentes no local de trabalho ou durante a condução, dores de cabeça ou sintomas gastrointestinais em resposta à perda de sono e preocupações com o sono. 

Portanto, a insônia é, na realidade, um distúrbio de 24 horas que consiste não apenas em sintomas noturnos, usualmente tipificados pela dificuldade de iniciar e∕ou manter o sono, mas também manifestando sintomas diurnos. Pode ser classificada como leve, moderada ou grave em função do grau de acometimento e prejuízo nas atividades diurnas.  Ademais, existem 3 tipos de insônia, a inicial, a intermediária ou de manutenção e a insônia caracterizada por despertar precoce. Pesquisas têm mostrado que as desordens da insônia são freqüentemente comórbidas com condições psiquiátricas do tipo depressão e ansiedade, doença cardiovascular, diabetes e outros distúrbios do sono, como apnéia de sono obstrutiva, entre outras. O distúrbio de insônia também tem sido associado a prejuízos nas funções cognitivas ao longo de uma vasta amplitude de domínios, mas poucos são aqueles que têm investigado sistematicamente essa associação. Por exemplo, estudo publicado na Sleep Journal (2019; 1-10), examinou, em uma grande amostra canadense, as diferenças nas funções cognitivas entre (1) idosos e adultos de meia idade com desordens de insônia, bem como, (2) daqueles com apenas sintomas de insônia e (3) com os sem insônia, nos contextos de fatores de vida e de saúde. Foram avaliados os desempenhos em três grandes domínios cognitivos: memória, funções executivas e velocidade psicomotora. Os participantes com provável desordem de insônia exibiram maiores proporções de aspectos médicos adversos e de estilos de vida, tais como, ansiedade, depressão e diabetes do que nos outros grupos e, também, déficits de memória declarativa comparados com pacientes que tinham apenas sintomas de insônia ou com aqueles que não apresentavam sintomas de insônia. Tomados juntos, esses resultados sugerem que desordens de insônia em adultos idosos e de meia idade possuem indicadores de saúde mais pobres e um desempenho mnemônico pior do que adultos com problemas de insônia e adultos sem problemas de insônia. 

Outro estudo, realizado na China e publicado no J. Neurol Neurosurg Psychiatry (2020, 91 236-244), com 11.155 registros e 15 problemas de sono considerados na análise, revelou que os mesmos foram associados com níveis mais elevados de desordens cognitivas por todas as causas. Os dados indicaram que o manejo do sono pode servir como um alvo promissor para a prevenção da demência. Também o estudo, publicado na Sleep Med Clin (2018, 13; 93-106), analisou a relação do status da insônia com o desempenho cognitivo normal em indivíduos jovens e de meia idade, utilizando os seguintes parâmetros cognitivos: memória de trabalho, memória operacional, memória episódica e alguns aspectos do funcionamento cognitivo. Em contraste com participantes saudáveis, o status da insônia foi associado com um pior desempenho em variados domínios das tarefas cognitivas. Especificamente, participantes com insônia desempenharam significativamente pior nas tarefas de amplitude mnemônica, integração da dimensão semântica e visual e em tarefas de funcionamento executivo, ao passo que, os grupos com insônia desempenharam melhor que os participantes saudáveis em tarefas de atendimento simples. Trabalho interessante publicado na Am J Epidemiol, (2019; 188, 1066-1075), encontrou que, a restrição da duração do sono piora a cognição de curto prazo, especialmente a memória. Os autores destacam que mensurar a interrupção do sono é mais importante do que mensurar a duração do sono para predizer o declínio cognitivo, bem como, que a interrupção e a qualidade do sono mensurados objetivamente são dimensões salientes do sono quando considerando a relação entre sono e  função cognitiva em idosos, sendo que esta associação pode ser mais forte entre homens do que entre mulheres. 

Muito interessante é o estudo realizado Morin et al (JAMA Network Open, 2023, 28;1-12) comparando a eficácia da terapia comportamental (BT) e do zolpidem como terapias iniciais para melhorar as funções diurnas em pacientes com insônia e, também, avaliar o valor agregado de um segundo tratamento para pacientes cuja insônia não regrediu. Os participantes foram designados aleatoriamente para receber BT ou zolpidem como primeiro estágio terapêutico, e aqueles cuja insônia não havia regredido receberam uma terapia psicológica de segundo estágio (BT ou terapia cognitiva) ou terapia medicamentosa com zolpidem ou trazodona. Os desfechos primários considerados foram sintomas diurnos de insônia, incluindo distúrbios de humor, fadiga, deficiências funcionais de insônia e pontuações nos 36 itens de um questionário de avaliação global da qualidade de vida, conhecido SF-36 (na sigla em inglês Short-Form Health Survey). Os dados indicaram que a Terapia Comportamental (BT) e o zolpidem produziram melhorias para vários sintomas diurnos de insônia que não foram diferentes entre os tratamentos. Ademais, adicionar um segundo tratamento ofereceu um valor agregado com substanciais melhorias nas funções diurnas. 

Finalmente, nunca é demais afirmar que a higiene do sono é a mais importante das medidas quando se pensa na melhoria da qualidade do sono de um individuo. Integrar ou combinar terapias é sempre o melhor processo terapêutico considerando um constructo multifacetado e complexo como é a insônia. 

Professor Visitante da UnB-DF* 

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