Tribuna Ribeirão
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Neurociência da vida cotidiana (29): Sofrimento Psíquico 

José Aparecido Da Silva* 

Há várias facetas sob a superfície do constructo de sofrimento psicológico. As facetas incluem ansiedade, depressão, bulimia, autoflagelo, autoestima, imagem corporal, ideação suicida, suicídio, estresse, medo, ruminação autocrítica, e muitas outras emoções negativas. Estudos realizados nos 4 quadrantes do planeta indicam que o sofrimento é altamente prevalente e está associado à diferentes condições clínicas (veja a última versão do DSM-V) elencadas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Ademais, tem se tornado um problema global, sobretudo entre os jovens. Já não é mais uma catástrofe silenciosa, seus sons não mais se espalham em linha reta e soam altos demais. Uma vez que vivemos tem tempos excessivos, o viver nos faz sofrer, muitas vezes, acima do nosso grau de vulnerabilidade. 

Segundo Caspi e Moffitt (All for One and One for All: Mental Disorders in One Dimension. Am J Psychiatry. 2018 Sep 1;175(9):831-844.doi: 10.1176/appi.ajp.2018.17121383), atualmente, tanto na Psiquiatria Infantil quanto na Psiquiatria de Adultos, têm se acumulado evidências empíricas  indicando que uma única dimensão é capaz de mensurar o grau de vulnerabilidade de uma pessoa ao transtorno mental, bem como, as comorbidades entre transtornos, a persistência dos distúrbios ao longo do tempo e a gravidade dos sintomas. Segundo aqueles autores, esta dimensão única de generalidade psicopatológica foi denominada de “p”, porque a mesma guarda grande similaridade com uma dimensão já muito familiar aos estudiosos comportamentais, especialmente aqueles que estudam a inteligência humana: o fator “g”, da inteligência geral (ver Da Silva, J.A. Sob o olhar da Inteligência. Escrita Livros, 2022).  

Tal como o “g” é uma dimensão que reflete capacidade mental baixa a alta, a dimensão “p” representa habilidade mental baixa até alta gravidade de psicopatologia, com extremo transtorno de pensamento. Os autores argumentam que a dimensão de “p” une todos os distúrbios. Influencia o estado presente/ausente em centenas de sintomas psiquiátricos, os quais se agregam em dezenas de diagnósticos distintos, que, por sua vez, são reunidos em três domínios abrangentes de externalização, internalização e experiência psicótica. Em conjunto, todos estes já citados sendo reunidos em uma dimensão da psicopatologia de baixo para cima: “p”. Estudos mostram que, quanto mais alta a pontuação de uma pessoa em “p”, pior ela se sai nas medidas de histórico familiar de doença psiquiátrica, função cerebral, histórico de desenvolvimento infantil e comprometimento da vida adulta. 

A dimensão de “p” pode ajudar a explicar a inespecificidade onipresente em psiquiatria: variados diagnósticos compartilham os mesmos fatores de risco e biomarcadores e, muitas vezes, respondem às mesmas terapias. Assim considerando, o exame do sofrimento psicológico pode ser efetuado tanto a partir do diagnóstico clínico quanto de exames de sangue, análise genética ou de auto-relatos. As mudanças comportamentais e as doenças mentais foram registradas com o advento da pandemia de COVID-19. Estudos sobre depressão, ansiedade generalizada, sofrimento psicológico e tristeza, realizados em diferentes países, demonstraram que esses constructos estão fortemente correlacionados.  

O estudo realizado por Antonelli-Ponti (O fator de sofrimento psicológico durante a pandemia de COVID-19, Cuadernos de Educación y Dessarollo, 2023) investigou a existência de um fator geral para o sofrimento psicológico vivido pela população brasileira durante a primeira onda da pandemia de COVID-19. Análises estatísticas baseadas em quatro escalas mensurando saúde geral, ansiedade, estresse e dor não somática sugeriram que um fator “sofrimento” surge da relação presente entre todos os aspectos de saúde mentais investigados e está acima deles, independentemente do perfil dos grupos que responderam aos questionários. Há, portanto, um fator de sofrimento geral. 

Apesar de existirem tratamentos específicos para cada aspecto relacionado à saúde mental, a existência de um fator geral que demonstre o sofrimento psíquico vivido durante a pandemia lança luz sobre outras formas de lidar com esse período de forma global e integrada, contemplando o sofrimento em um amplo escopo e ajudando as pessoas a administrar suas emoções à medida que estas surgem. Além disso, uma consonância de ações entre saúde e serviço social parece muito promissora, visto que o cuidado socioemocional diminui o sofrimento e afeta os cuidados e prevenção da saúde mental, em geral, para além da Covid-19.  

Professor Visitante da UnB-DF* 

 

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